02 junho, 2021

A matemática da urna

"Da mesma maneira que nós não temos como comprovar que houve fraude, o outro lado também não tem como comprovar que não houve fraude."

O Zero Três erra feio: não somente é possível auditar o resultado eleitoral como há, sim, modos de comprovar que não houve fraude. É o que este artigo de Dalson Figueiredo, Lucas Silva e Juliano Domingues, publicado na revista Piauí, consegue demonstrar.

A auditoria das eleições não depende do voto impresso (a comprovação do coto digitado na urna eletrônica), pelo contrário. Há oito procedimentos previstos pelo TSE para aferir a lisura do processo, desde a verificação do resumo digital, passando pela comparação entre o boletim impresso e o boletim recebido pelo sistema de totalização. A partir dessa perspectiva procedimental, portanto, cai por terra a primeira parte da argumentação.

A segunda parte da fala do deputado pressupõe uma afirmação passível de teste científico. Utilizamos a Lei de Newcomb-Benford (LNB), também conhecida como Lei do Primeiro Dígito ou Lei dos Números Anômalos, para colocar à prova a premissa propalada pelo Zero Três de que há fraude eleitoral no Brasil.

Antes dos números, um pouco de história. Em meados do século XIX, ao folhear um livro de tabela de logaritmos, o astrônomo canadense-americano Simon Newcomb observou um desgaste maior nas primeiras páginas, aquelas em que havia sequência de números iniciados com menor valor. As últimas folhas, com valores maiores, estavam mais preservadas. Ele havia acabado de identificar uma curiosa regularidade matemática. E lançou a seguinte proposição: a frequência dos dez dígitos em números que ocorrem naturalmente não é uniforme. A chance de ocorrência dos números é inversamente proporcional ao tamanho do algarismo, de modo que os valores mais baixos (1, 2 e 3) são mais frequentes do que valores mais altos (7, 8 e 9). Por isso, as páginas iniciais daquele livro estavam mais desgastadas: elas eram as mais consultadas.

A LNB também é chamada de Lei do Primeiro Dígito porque mostra que, em conjunto de dados numéricos que ocorrem naturalmente, o número 1 tende a ser o primeiro dígito significativo em 30% das vezes, enquanto o 9 surge em menos de 5% dos casos. Contrariamente, se todos os dígitos tivessem a mesma probabilidade de ocorrência, deveríamos observar uma frequência de 11,1% para todos os algarismos.

O Zero Três mistura a falácia do falso dilema com a inversão do ônus da prova. A receita é rasteira: alguém afirma algo sobre a realidade – nesse caso, fraude eleitoral –, mas não apresenta evidências capazes de validar o que foi dito, ao mesmo tempo em que transfere o ônus da contraprova aos seus opositores no debate. Essa tem se mostrado uma prática usual na estratégia discursiva da família Bolsonaro e de seus aliados em defesa de pautas específicas, do tratamento precoce para Covid-19 ao aquecimento global, passando pela inexistente fraude nas eleições. 

Ironicamente, a Lei do Primeiro Dígito demonstra ser insustentável a afirmação daquele que atende por um número.

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