por Kiko Nogueira
Diretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo
Hablas portunhol? Non? Pois ainda vas hablar muitoDiretor-adjunto do Diário do Centro do Mundo
Com nosso instinto de sobrevivência, criamos um idioma de fronteira, com a imensa ajuda dos vizinhos.
O portunhol já foi visto de uma maneira tremendamente negativa no Brasil. Um jeito ignorante de se virar em espanhol. O símbolo disso era a imagem do ex-presidente, Collor de Mello, berrando na televisão, apoplético: “Duela a quien duela!”.
Depois, o técnico Wanderley Luxemburgo, em sua rápida e fracassada passagem pelo Real Madrid, encarregou-se de jogar a pá de cal. Mas o fato é o seguinte: o portunhol existe; não tem nada a ver com o Collor e o Luxa; é, sim, uma língua; e você pode orgulhar-se de se virar com ela.
“Na verdade, são várias línguas de fronteira, praticadas nas bordas do Brasil com os demais países da América do Sul”, diz Maite Celada, professora-doutora de espanhol da USP. Segundo ela, o brasileiro se apropriou da língua do vizinho – e a recíproca não vem na mesma medida.
“Os argentinos, por exemplo, são mais cuidadosos, arriscam-se menos”, afirma a portenha Maite, com seu leve sotaque. “O portunhol é uma arma absolutamente legítima de comunicação. Falando o idioma do outro, você se desloca e se transforma”. O instinto de sobrevivência do brasileiro, o famoso jeitinho, contribui para a nossa capacidade de adaptação a um ambiente hostil. Em Santiago do Chile, presenciei um diálogo em que um carioca começava falando em português e não era entendido. O chileno respondia em espanhol. E nada. Até que ambos começaram a dialogar em portunhol – e a coisa fluiu.
O portunhol ainda não tem o status de idioma ou dialeto. Ele não é estável nem homogêneo, além de depender do repertório de cada interlocutor. Mas já adquiriu uma personalidade própria. O escritor paranaense Wilson Bueno lançou o romance, Mar Paraguayo, todinho em portunhol. Bueno considerava, com algum exagero, que fez pelo portunhol o que Dante fez pelo italiano – ou seja, formalizou-o literariamente.
O livro foi bem recebido em alguns países. No Canadá, houve uma tradução para o “francenglish”, a mistura do francês com o inglês.”É uma língua de errância”, disse-me Bueno. “Uma língua que se faz ao falar, ao caminhar.” Não há gramática, sintaxe, regra. Por isso, não há erro. Para quem tem autocensura baixa, ainda mais, é facílimo. Segundo o site Portunhol Selvagem (há centenas de sites portunhóis na internet), para falar portunhol basta trocar “v” por “b”, “o” por “lo” e “a” por “la”.
O ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, um defensor ferrenho dessa novilíngua, declarou o seguinte: “O portunhol é uma manifestação espontânea, natural, vinda dos corpos e das almas culturais dos nossos povos”. Traduzindo ficaria assim: “Lo portuñol es una manifestación espontánea, natural, vinda de los cuerpos e de las almas culturais de los nostros pueblos”. Viu como é simples? Não sei se essa é a melhor versão. Mas dá para se virar na Calle Florida.
Comentário
Depois do dialeto ingrobrasileño - mistura do ingrês falado por brasileiros em maiame e adjacências com o arremedo de português brasileiro - chegou, para ficar, o segundo dialeto mais falado pelos brasileños: o portuñol.
Fernando Gurgel
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