por Umberto Eco
- Os catálogos devem ser divididos ao máximo: deve-se ter muito cuidado em separar o catálogo dos livros do das revistas, este do catálogo por assuntos e ainda os livros de aquisição recente dos livros de aquisição mais antiga. De preferência, a ortografia nos dois catálogos (aquisições antigas e recentes), deve ser diferente: por exemplo, nas aquisições recentes, farmacologia deve vir com f, e nas antigas com ph; Tcheco-Eslováquia deve vir com T nas aquisições recentes, e nas antigas sem T: Checo-Eslováquia.
- Os temas devem ser decididos pelo bibliotecário. Os livros não devem jamais trazer no colofão qualquer indicação acerca dos assuntos sob os quais devem ser classificados.
- As siglas devem ser instrascrevíveis e de preferência muitas, de modo que nunca reste a quem preencha a ficha espaço suficiente para incluir a última denominação, considerada irrelevante, e assim o encarregado possa sempre restituir-lhe a referida ficha para ser preenchida da maneira correta.
- O tempo entre o pedido e a entrega do livro deve ser sempre muito longo.
- Não é necessário entregar ao usuário mais de um livro de cada vez.
- Os livros entregues ao usuário porque foram solicitados por ficha não podem ser levados para a sala de consultas, isto é, a vida do consulente deve ser dividida em dois aspectos fundamentais: um dedicado à leitura e outro inteiramente votado à consulta. A biblioteca deve desencorajar a leitura cruzada de vários livros, porque pode provocar o estrabismo.
- Se possível, desaconselha-se totalmente a presença de máquinas fotocopiadoras; no entanto, se uma delas existir, o acesso a seu uso deve ser muito complexo e cansativo, o custo de cada cópia deve ser superior ao custo nas papelarias e os limites reduzidos a duas ou três páginas copiadas por usuário.
- O bibliotecário deve sempre encarar o leitor como um inimigo, um vagabundo (senão, estaria trabalhando), um ladrão em potencial.
- A sala de consultas deve ser inatingível.
- Os empréstimos devem ser desencorajados.
- Os empréstimos entre bibliotecas deve ser impossível, ou pelo menos demandar muitos meses. O melhor, neste caso talvez seja assegurar a impossibilidade de vir a conhecer o que existe nas demais bibliotecas.
- Em consequência disso, os furtos devem ser facílimos.
- Os horários devem coincidir absolutamente com os horários de trabalho, discutidos previamente com os sindicatos: fechamento irrevogável aos sábados, aos domingos, às noites e na hora das refeições. O maior inimigo da biblioteca é o estudante que trabalha; o maior amigo é qualquer um que tenha uma biblioteca própria, e que portanto não tenha necessidade de vir à biblioteca e, ao morrer, legue a essa os livros que possuía.
- Não deve ser possível descansar no interior da biblioteca de modo algum, e em todo caso não deve ser possível descansar sequer do lado de fora da biblioteca sem antes ter devolvido todos os livros que se tinha pedido, de modo a ser obrigado a pedi-los novamente depois de tomar um café.
- Nunca deve ser possível reencontrar o mesmo livro no dia seguinte.
- Nunca deve ser possível saber quem pegou emprestado o livro que está faltando.
- De preferência, nada de banheiros.
- Idealmente, o usuário não deveria poder entrar na biblioteca; admitindo-se que entre, usufruindo obstinada e antipaticamente de um direito que lhe foi concedido com base nos princípios da Revolução Francesa, mas que ainda não foi assimilado pela sensibilidade coletiva, não deve e não deverá de modo algum, excetuando as rápidas travessias da sala de consulta, ter acesso à "penetrália" das estantes.
Sobre esse último item, é interessante observar que Umberto Eco escreveu um romance, O Nome da Rosa, em que um dos principais personagens era um monge beneditino cego. Uma evidente homenagem ao escritor argentino Jorge Luis Borges que, quando assumiu a direção da Biblioteca Nacional de Buenos Aires, já não enxergava mais nada.
Via Livro e Afins
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