Vi no Blog do Marcelo Gurgel a notícia da leitura pelo jornalista e escritor Ruy Castro (foto), na Bienal do Livro do Rio, dia 7, do manifesto contra a censura às biografias (abaixo), que foi assinado por 45 intelectuais brasileiros:
Desde o século XIX, a Biografia teve papel importante na construção da nossa ideia de Nação, imortalizando personagens e ajudando a consolidar um patrimônio de símbolos e tradições nacionais.
Mais recentemente, na segunda metade do século XX, a Biografia ganhou outra dimensão: além de relatar os feitos dos grandes nomes, transformou o personagem em testemunha de sua época. A Biografia moderna não é só a história de uma pessoa, mas também de uma época, vista através da vida daquela pessoa.
No Brasil, tal forma de manifestação encontra-se em risco, em virtude da proliferação da censura privada, que é a proibição das biografias não autorizadas.
A ninguém é dado impedir a livre expressão intelectual ou artística de outro, garantia consagrada na Constituição democrática de 1988, que baniu definitivamente a censura entre nós. Por isso, não faz sentido exigir-se o consentimento prévio da personalidade pública cuja trajetória um autor ou historiador pretende relatar (e, menos ainda, exigir-se a autorização de seus familiares, quando já falecido o biografado), como condição para a publicação de Biografias.
É apropriado que a lei proteja o direito à privacidade. Mas este direito deve ser complementado pela proteção do acesso às informações de relevância para a coletividade, na forma de tratamento distinto nos casos de figuras de dimensão pública, os chamados protagonistas da História: chefes de Estado e lideranças políticas, grandes nomes das artes, da ciência e dos esportes.
O Brasil é a única grande democracia na qual a publicação de Biografias de personalidades públicas depende de prévia autorização do biografado. Um país que só permite a circulação de biografias autorizadas reduz a sua historiografia à versão dos protagonistas da vida política, econômica, social e artística. Uma espécie de monopólio da História, típico de regimes totalitários.
Este erro produz efeito devastador sobre a atividade editorial. A necessidade do consentimento prévio das pessoas retratadas nas obras cria um balcão de negócios de valores vultosos, em que informações sobre a nossa História são vendidas como mercadorias.
Há um efeito ainda mais grave no que tange à construção da memória coletiva do país. O conhecimento da História é um direito da cidadania, independentemente de censura ou licença, do Estado ou dos personagens envolvidos. O ordenamento jurídico deve assegurar pluralidade, cabendo à sociedade e ao cidadão formarem livremente sua convicção.
É pertinente lembrar que a dispensa do consentimento prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as consequências do que escrever. Em casos de abuso de direito e de uso de informação falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as punições adequadas à proteção dos direitos da personalidade.
Hoje, quando a sociedade clama pela ética e pela plena liberdade de expressão, está mais do que na hora de eliminar este entulho autoritário e permitir novamente que os brasileiros possam ter acesso à sua própria História.
Assim, os intelectuais brasileiros apoiam as iniciativas legislativas e judiciais voltadas à correção dessa anomalia do ordenamento jurídico brasileiro, de maneira a permitir a publicação e a veiculação de obras biográficas sobre os protagonistas da nossa História, independentemente da autorização dos personagens nelas retratados.
Assinam:
Alexei Bueno, Ana Maria Machado, Antonio Torres, Carlos Heitor Cony, Eduardo Portella, Fernando Morais, João Ubaldo, Lira Neto, Luis Fernando Veríssimo, Nelson Pereira dos Santos, Roberto da Matta, Roberto Toledo, Ruy Castro, Sergio Rouanet, Ziraldo Pinto e Zuenir Ventura, entre outros.
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