29 outubro, 2021

A inconveniência de ser poeta

por Viriato Correia
(em seu discurso de recepção a Raimundo Magalhães Jr. na ABL)
[...] Nós, os escritores, devemos ser cautelosos. Precisamos fazer o possível para que o público não saiba que escrevemos.
E por que essa cautela? Para não perder consideração do público.
João Ribeiro disse-me, uma vez, com aquela sinceridade de sábio: "O que é que você pensa? Literato não vale nada. Ninguém leva literato a sério. E quando o literato é poeta, a desconsideração do público é ainda maior".
Para o povo, poeta é sinônimo de distraído, de vadio e até mesmo de aluado.
– Ele é um poeta – é a expressão que ouvimos, frequentemente, quando alguém quer falar de uma criatura que vive no mundo da lua.
Aquele fato que contam de Raimundo Correia mostra que o literato, principalmente se é poeta, para não perder o conceito de gente de bem, deve fazer tudo para que não se saiba das suas virtudes intelectuais.
Raimundo Correia, nomeado, não sei se promotor ou juiz, de uma localidade mineira, para lá seguiu, hospedando-se em casa de um velho conhecido. No dia seguinte, à hora do almoço, o dono da casa disse ao hóspede: – Se chegar aos seus ouvidos a notícia de algum mau juízo que estejam fazendo do senhor, não faça caso. Esta gente aqui é horrível – de falar mal da vida alheia.
O poeta de "Mal secreto" (texto inserido acima), que era um temperamento arisco e crispável, tremeu, empalideceu, perguntando:
– Estão dizendo mal de mim?
– Não se incomode, doutor, esta gente aqui não presta.
– Mas que é que estão dizendo? Que é? Que é?
O dono da casa baixou a voz como se fosse pronunciar uma palavra feia:
– Estão dizendo que o senhor é poeta. – E acrescentou imediatamente, como para salvar a situação: – Mas eu já desmenti, eu já desmenti.
João Ribeiro tinha razão: ninguém leva a sério o literato.

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