18 julho, 2023

João Donato nasceu para tocar

Faleceu ontem (17), aos 88 anos, o pianista, compositor e arranjador João Donato de Oliveira Neto (1934 - 2023). Estava internado para o tratamento de uma pneumonia. Seu corpo está sendo velado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.

Trecho de Bossa nova combina com tudo, o memorável depoimento que João deu para a Folha de SP, em janeiro de 2008:
"Muitas histórias começam sob lonas de circo. A minha é mais uma delas. Foi num modesto picadeiro de Rio Branco, no Acre, que, sem tirar os olhos de um motoqueiro do Globo da Morte, pela primeira vez toquei acordeão em público. Era a década de 40, eu tinha menos de 10 anos de idade, e a única coisa que sabia fazer com alguma propriedade era obedecer a meu pai. Papai era um respeitado major da Aeronáutica – foi o primeiro acreano a tirar brevê – e havia traçado para mim um futuro de música e fama. Perseguia sua meta com sofreguidão. Ainda muito cedo descobri que isso é fundamental.
Nessa apresentação, o que eu realmente queria fazer era montar numa daquelas motocicletas prateadas e desafiar as leis da gravidade dentro da esfera de aço. Mas uma bailarina, uma menina, já estava pronta na arena, esperando meus primeiros acordes para se apresentar ante o respeitável público acreano. Naquele dia ouvi meus primeiros aplausos. Gostei.
Anos mais tarde, em São Paulo, dei de cara com a bailarina. Surpresos, rimos de nossas lembranças. Emocionado mesmo fiquei quando ela me contou que havia casado e já era mãe. O marido? O motoqueiro do Globo da Morte, Marcondes."
Nesta apresentação (vídeo) que ocorreu no Sesc Paulista em 06/12/2010, João Donato reafirma o nó geográfico que ele deu nesta parte do planeta com a música. Em seu piano sambista, educado em Debussy e doutorado em Stan Kenton, a América do jazz faz fronteira com o Caribe salseiro e a bossa Brasilis. E esta confluência nunca esteve tão nítida e fluída como no repertório escolhido para a apresentação, que inclui, o seu "Nasci para bailar" (c/ letra de Paulo André Barata), entre outras canções.


Foi parceiro de João Gilberto ("Minha saudade" e outras), Gilberto Gil ("Emoriô", "A Paz", "Bananeira" e outras), Caetano Veloso ("A Rã" e outras), Paulo César Pinheiro ("Ahiê" e outras), Chico Buarque ("Cadê você?"), Martinho da Vila ("Gaiolas abertas" e outras), Moraes Moreira ("Amor perfeito amor"), Marcos Valle ("Cadê Jodel?" e outras), Eumir Deodato ("Batuque") e Lysias Ênio, irmão de Donato ("Amazonas" e outras). 

João Donato "atravessou sete montanhas pra chegar ao mar porque nasceu, nasceu para tocar".

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