24 julho, 2018

O anjo das pernas tortas

Vinicius de Moraes
Rio, 1962
In: "Para viver um grande amor"

A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés — um pé de vento!

Num só transporte a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: — Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um
Dentro da meta, um l. É pura dança!

Grato a Jaime Nogueira por me ter trazido à lembrança este soneto do mestre Vininha.

Carlos Drummond de Andrade
In: Jornal do Brasil, 21/01/1983

— Se há um Deus que regula o futebol, esse Deus é sobretudo irônico, farsante, e Garrincha foi um de seus delegados incumbidos de zombar de tudo e de todos nos estádios. Mas, como é também um Deus cruel, tirou do estonteante Garrincha a faculdade de perceber sua condição de agente divino. Foi um pobre e pequeno mortal que ajudou um país inteiro a sublimar suas tristezas. O pior é que as tristezas voltam e não há outro Garrincha disponível. Precisa-se de um novo que nos alimente o sonho.

O dia em que a ditadura matou Mané Garrincha, por Roberto Vieira

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