25 maio, 2018

"Os Thibault" (e "Os Thibaud", de Pérouges)

"...em todas as épocas, ler é um vício solitário, que inflama os desvãos da alma. É também o vício mais prazeroso, que alimenta, dá lustro e faz crescer, como apregoam nas ruas os vendedores de felicidade." Moacir Japiasssu, no texto "O Livro da Vida Inteira", prefácio de "Os Thibault", de Roger Martin du Gard

Romance francês "cíclico", de R. Martin,
ganhador do Prêmio Nobel em 1937 --
abrange o antes, durante e após a Grande
Guerra de 1914-18. É uma obra de fôlego,
5 volumes, que descreve a vida de uma
família classe média-alta na França.
"Os Thibault", do escritor Roger Martin du Gard, é um livro grandioso. Não só pelo tamanho, mas muito mais pelo conteúdo. Ali desfilam vidas humanas, idéias e ideais. É a História viva, de uma época que mudou a face da Europa, ou seja, do mundo ocidental. Ali desfilam a repressão religiosa travestida de caridade do velho Oscar Thibault, a rebeldia indomável do jovem Jacques Thibault e a inquietude solidária das dúvidas humanistas/existenciais de Antoine Thibault. Tudo isso emoldurado por um cenário da tragédia que se avizinhava com a perspectiva de eclosão da Primeira Guerra Mundial. Cenário que é suavizado apenas pela beleza, a força e a sabedoria do universo feminino, que mesmo à parte das decisões masculinas, parecia dar um pouco de paz e coesão ao estilhaçar do ambiente em volta das pessoas.
Em suma, como diz Moacir Jupiassu, para ele foi "O Livro da Vida Inteira".
Ainda segundo Moacir Jupiassu, o nome do jovem Jacques Thibault foi uma homenagem de Roger Martin, o autor, ao seu mestre e amigo Anatole France, que chamava-se Jacques-Anatole-François Thibault.
Ou seja, apesar de ser uma belíssima obra de ficção, a família Thibaud já existia àquela época, em 1912, quando inicia a história de que trata o livro.
Dia 24 de abril deste ano estávamos em Lyon, França, e resolvemos conhecer Pérouges, uma cidade medieval que diziam ser a mais bela da França, o que se confirmou. Fomos de ônibus e tivemos que seguir, a pé, por uma estrada longa e bem íngreme até chegar à entrada da cidade antiga. Perambulando pela cidade, descobri e fotografei uma caixa de correios com o nome "G Thibaud". Mostrei para a minha esposa e para o casal que nos acompanhava, relatando um pouco da história contida no livro citado acima.
Ao se aproximar a hora do almoço, nosso amigo Ronaldo escolheu um restaurante, o Ostellerie du Vieux Pérouges, que, segundo ele, pertencia à família Thibaud desde 1912. Restaurante que, ao lado, vendia também as famosas Galletes de Pérouges, criação da Senhora Marie-Louise Thibaud, no mesmo ano de 1912. Restaurante onde comemos muito bem, tivemos um atendimento de primeira em um ambiente muito bonito, decorado à moda antiga. E onde continuamos a conversa sobre o livro "Os Thibault".
Nada disso teria grande importância, a não ser pelo aspecto curioso da coisa, se não fosse o que nos aconteceu depois. Foi deveras inusitado.
Terminamos o almoço e resolvemos dar mais uma caminhada para conhecer o restante da cidade. Nosso amigo Ronaldo conversou com o pessoal do restaurante para que, quando resolvêssemos ir embora, ao invés de irmos a pé, eles pudessem nos providenciar um táxi porque, até aquele momento, não tínhamos visto nenhum nas redondezas.
Tudo combinado, fomos perambular pelas ruas medievais da cidade. Ao voltar ao restaurante, informaram que não conseguiram um táxi, mas que uma pessoa do hotel se ofereceu para nos levar até o ponto de ônibus, evitando-nos aquela descida penosa.
Para nossa surpresa, e aí está o inusitado da situação, quem estava ao lado do carro que nos levaria era - nada mais, nada menos - que o Senhor Georges Thibaud, herdeiro e atual proprietário do restaurante e também dono da casa onde eu fotografara a placa de correio.
E o Senhor Georges Thibaud, a quem agradecemos muitíssimo, durante todo o longo percurso, se mostrou radiante de alegria, parecendo realmente muito contente em nos proporcionar aquele inesperado final feliz de passeio em sua cidade.
Ou seja, "O Livro da Vida Inteira", mesmo que a ligação tenha sido apenas com um nome de família, nos proporcionou um evento inusitado e inesquecível em uma aldeia medieval francesa.

Fernando Gurgel Filho

2 comentários:

Fernando Gurgel disse...

Como já comentei por mensagem, fui traído pela memória e pela pronúncia. Fiz até um PS com um mea culpa:

PS: Na vida, final feliz é quando a gente põe um ponto final em uma história como essa no momento em que acontece o evento que nos deu alegria. Mas a vida segue e nos prega peças. Na empolgação, na euforia, confundi os sobrenomes. Depois que enviei esta história para um monte de gente, inclusive para amigos de dois clubes de leitura, ao fotografar a lombada dos livros - são cinco volumes -, para enviar como sugestão de leitura, quase cai pra trás. O livro chama-se "Os Thibault" e a família dona do restaurante "Thibaud".

Erro imperdoável. A única desculpa, além da euforia, foi ter sido traído pela memória, haja vista que a pronúncia de ambos os sobrenomes, em francês, é a mesma: "tibou".

Porém tem mais pisada na bola. Ao descer do carro, ainda tive a estupidez de perguntar ao Sr. Georges Thibaud quanto devíamos pela "corrida". Ele, ainda bem humorado, disse:

- Zero. Rien.

E eu, sem graça, envergonhado:

- Merci. Enchanté.

Fernando Gurgel

Paulo Gurgel disse...

Fernando,
Alertado por você, fiz os reparos antes de publicar o seu texto. Que, aliás, é muito bom.
A propósito:
Por que devo errar?
http://blogdopg.blogspot.com.br/2013/11/por-que-devo-errar.html