Ruy Baptista (*)
"Não andarei longe da verdade, se disser que os nossos pais disseram-no em relação a nós e nós, por sua vez, o dizemos em relação aos nossos filhos entre as quatro paredes da nossa casa. Ou se não o dizemos, pensamo-lo pelo menos quando os nossos “rebentos” não andam na linha que a nossa autoridade paternal traçou. Bem ou mal!Numa conferência por si proferida, mais afoito, porque o fez publicamente, o médico inglês Ronald Gibson começou por citar quatro frases denunciantes do comportamento dos jovens que levam à desesperança no futuro. Elenco-as:
1. 'A nossa juventude adora o luxo, é mal-educada, despreza a autoridade e não tem o menor respeito pelos mais velhos. Os nossos filhos hoje são verdadeiros tiranos. Eles não se levantam quando uma pessoa idosa entra, respondem aos pais, são simplesmente maus'.
2. 'Não tenho mais nenhuma esperança no futuro do nosso país se a juventude de hoje tomar o poder amanhã, porque esta juventude é insuportável, desenfreada, simplesmente horrível'.
3. 'O nosso mundo atingiu o seu ponto crítico. Os filhos não ouvem mais os pais. O fim do mundo não pode estar muito longe'.
4. 'Esta juventude está estragada até ao fundo do coração. Os jovens são maus e preguiçosos. Eles nunca serão como a juventude de antigamente…A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura'.
Pelo menos e principalmente quando atribuídos aos filhos dos outros, estes comportamentos perpassam na nossa mente com uma nitidez que não deixa lugar a qualquer dúvida de se tratar de um libelo acusatório que exige pena pesada para os jovens prevaricadores contra uma sociedade ideal em que eles devem assumir as responsabilidades que lhe são cometidas para que o mundo de hoje seja como o de antigamente e passe essa herança para as gerações vindouras!
Como é natural, houve uma aquiescência contra todos estes defeitos da juventude, e mais que fossem inventariados! Assim, após ter lido estas quatro desapiedadas citações, o conferencista ficou muito satisfeito com a aprovação geral que elas mereceram por parte da assistência. E o leitor? Faz coro com a referida assistência?
Antes de dar o seu veredito, impõe-se um esclarecimento sobre as identidades dos autores das frases. Passo a palavra ao orador que as citou, situando-as, também, no tempo. Assim, a primeira frase é de Sócrates ( 470-399 a.C.), a segunda de Hesíodo (720 a.C.), a terceira de um sacerdote do ano 2000 a.C., a quarta encontrava-se escrita num vaso de argila descoberto nas ruínas da Babilônia, tendo mais de 4.000 anos. Feitas as contas, de lá para cá medeiam, pelo menos quatro milênios.
Saibamos, pelo menos, aproveitar a lição. De futuro, quando invectivarmos a juventude, não digamos “a juventude do nosso tempo”. Digamos, a juventude - tout court. Desta forma, distribuiremos o mal pela poeira dos tempos, podendo, assim, a badalada, e nem sempre devidamente clarificada, polêmica sobre a “juventude rasca (reles)” encontrar novo fôlego em críticas com origem numa quase eternidade de quatro milênios. Mais ano, menos ano!
(*) Ex-docente da Universidade do Porto. O artigo veio daqui.
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