Fernando Gurgel Filho
Sempre fui um medroso corajoso. Lembro que, ainda criança, quando tinha ainda a altura de uma mesa de jantar - não cresci muito depois disso, não - fui à cozinha beber água. Atravessei a sala de jantar, que não tinha nenhuma divisória com a cozinha, e me dirigi ao filtro de água.A cozinha era separada do quintal apenas por um alpendre e, de dia, com a porta da cozinha aberta, podia-se avistar até o fundo do quintal. Naquele momento era noite e estava escuro. Era praticamente impossível ver-se qualquer coisa no quintal, mas divisei algo como um vulto se mexendo na direção da porta, que estava aberta.
Mesmo com o coração na boca, batendo mais forte que zabumba em forró, fui devagarinho conferir aquela visão. Sai do alpendre tentando ver algo naquela escuridão impenetrável, quando uma coisa enorme se destacou da escuridão e parecia vir na minha direção. O medo crescente chegou ao limite. Corri feito um desesperado.
Na corrida dei de frente com a mesa de jantar, ou seja, na ponta da mesa e cai sentado. Levantei e logo estava todo ensanguentado, com um furo do lado esquerdo da testa, que conservo de lembrança até hoje.
Conclusão, mesmo tendo coragem de conferir a origem do medo, este ultrapassou o limite aceitável pelas pernas, que me levou para longe. E o vulto? Era apenas um lençol branco estendido no varal.
Muito tempo depois - bota tempo nisso! - estava viajando de carro e, como não gosto de dirigir à noite, quase sempre paro em algum hotel ao anoitecer.
Numa dessas paradas, que não lembro em qual cidade muito menos em qual hotel ficamos hospedados, chegamos bem tarde.
Após todos tomarem banho, jantamos, demos uma volta na pracinha próxima ao hotel e fomos dormir.
Como estava morto de cansado, quando deitei, apaguei completamente.
De madrugada, acordei com sede e com vontade de urinar.
Sem acender as luzes do quarto, me dirigi primeiro ao banheiro, devagar, meio sonolento, cabeça vazia, quase sonâmbulo, parecia que apenas o instinto me guiava.
Acordei totalmente quando levei a mão à maçaneta do banheiro e vi, na penumbra, uma outra pessoa que estendia a mão na direção da minha.
Dei um salto e quase caí em cima de uma das camas.
Apenas depois do susto lembrei que o banheiro tinha um espelho enorme cobrindo quase toda a porta.
Creio que fui o primeiro ser humano a ver o próprio fantasma e fugir da própria figura.
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