17 fevereiro, 2012

Lembrando Darcy

"Não me consolo de constatar todo dia que o Brasil não deu certo. Ainda não deu certo. Não por culpa da terra, que é boa, nem do povo, que é ótimo. Mas das nossas classes dirigentes, tão tenazmente tacanhas que só sabem gastar gente a fim de lucrar e enricar. Para isso, sujigaram e mataram milhões de índios, estancando sua alegria de viver e corrompendo sua admirável adaptação ecológica à nossa terra. Para isso, caçaram em África, transladaram para cá e aqui consumiram, queimados no trabalho escravo, dezenas de milhões de negros.
O duplo produto desse espantoso desfazimento de povos pelo genocídio e pelo etnocídio é nossa elite infecunda, construída, de um lado, pelos descendentes de senhores de escravos, calejados na alma pelo exercício da opressão sobre o povo trabalhador, e de outro, pelos agentes e testas-de-ferro dos interesses estrangeiros que nos sangram. Todos eles bonitos, todos educados, todos formados, mas todos mancomunados para que o Brasil continue tal e qual. O outro produto - o principal, ainda que desde sempre desprezado - somos nós: um povão mestiço  na carne e na alma em busca de seu destino.

N. do E.
Em 17 de fevereiro de 1997 (há 15 anos) morria Darcy Ribeiro, antropólogo, escritor, cassado em 1964 e inventor da visão dos brasileiros como um "povo novo".

3 comentários:

Nelson Cunha disse...

Foi um grande brasileiro.Transitou pela mundo torpe da política sem manchar sua reputação de homem digno. Como acadêmico,tenho minhas ressalvas. Um antropólogo não pode ser traído pela ideologia e seu viés esquerdista viu bondade onde não havia: o índio brasileiro. O homem não é intrísicamente bom ( Rousseau ) ou mau ( Hobbes ). Acho que nessa polêmica, tem razão o Garret quando afirma com muita propriedade que " O homem é ele e sua circunstância "
Acho, à luz da crescente importância da genética na formação do caráter, que além da " sua  circunstância " o homem já pode nascer canalha e , num país permissivo como o Brasil, poderá morrer um político vitorioso ou milionário.

Paulo Gurgel disse...

Concordo com o viés do "bom selvagem" na antropologia de esquerda.
Quanto à frase citada, a das circunstâncias, não é de Garret, é de Ortega y Gasset.

Nelson Cunha disse...

Obrigado pela correção, é de Gasset sim. Sempre achei a frase genial porque resumia muita ciência social numa só sentença. Quanto a Rousseau, segundo seus biógrafos, o brilhantismo do seu pensamento não fazia par com seu caráter.Na sua vida pessoal era um desses aí, aleijados pela má genética.