14 maio, 2020

Haverá mudanças?

Fernando Gurgel Filho
Em uma entrevista para O Estado de SP, à pergunta "Há muita expectativa sobre o que está por vir – do ponto de vista emocional, o que mudará na humanidade depois da pandemia: a solidariedade será maior? Haverá mais transcendentalismo ou materialismo?", Mia Couto respondeu: "Não sou muito otimista em relação a uma mudança total. Não iremos despertar amanhã, no final desse surto epidêmico, com uma mentalidade coletiva nova. Tenho dúvidas das mudanças que se alcançam por via do medo. Gostaria, no entanto, de acreditar que haverá lições importantes: por exemplo, uma percepção mais clara da importância do Estado, dos sistemas públicos de saúde e de educação, do ideal da cooperação solidária em vez da competição e da exclusão." 
Por coincidência, outro dia, estava justamente escrevendo algo sobre isto. Sobre o que mudará. E o que escrevi parece que está dentro da linha de pensamento do Mia Couto.
Tenho uma amiga que sempre repete: "Sobreviventes são perigosos porque sabem que podem sobreviver".
E, na solidão do isolamento social, comecei a pensar nesta frase, a partir de outra que as pessoas divulgam quase todos os dias: "O mundo depois da pandemia nunca mais será o mesmo". Querendo dizer, com isto, que a humanidade mudará radicalmente. E, da forma como anunciam isto, tende a mudar para melhor. O que a frase de início nos deixa em dúvidas quanto a esta mudança para melhor.
Ora, sabemos que o mundo não muda, assim, do dia pra noite. Pode ter mudado muito, depois do cataclismo da dimensão do que destruiu os dinossauros e quase toda a vida na superfície do planeta. Mas não existe nenhuma comprovação científica de que o que ficou, principalmente vidas, tenha sido melhor para o planeta do que o que foi destruído.
Aconteceram mudanças importantes depois das Grandes Guerras? Aconteceram mudanças importantes depois das grandes pandemias: peste negra, gripe espanhola...? Talvez. Algumas instituições, algumas formas de organização do Estado começaram a ser questionadas, mas, na minha opinião, o ser humano, em sua unicidade e, por consequência, em sua totalidade, não parece ter mudado muito, não.
E os sobreviventes, muitos dos quais, fortes o suficiente para sobreviver a uma tragédia, não parecem ter sido "escolhidos" por serem mais solidários, humanistas ou fraternos, do que os outros. Foram apenas por uma questão de melhor adaptabilidade às novas condições. Mas a essência do ser humano não mudou. Seus hábitos, sua luta pela sobrevivência, suas crenças, sua organização social... Nada disso mudou.
Não para melhor. Pelo menos, não a curto prazo. E somente aconteceram mudanças importantes no mundo, na sociedade, com muita luta dos que sobreviveram e que já tinham, antes da tragédia, outra perspectiva de vida para o mundo.
Enfim, uma pandemia, por si só, não quer dizer que a sociedade, a humanidade, vá melhorar. Muito pelo contrário. Infelizmente. Mesmo que a maioria dos seres humanos sofra muito com a doença e o isolamento social.

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