12 maio, 2016

A fala dos gêmeos

As gêmeas Grace e Virginia Kennedy cresceram em San Diego, California, nos anos 70. Com a idade de seis anos não sabiam falar inglês, porém, conversavam entre si em uma língua aparentemente complexa e que era incompreensível para as demais pessoas. A esse tempo, seus pais buscaram a ajuda profissional. O que descobriram causou uma grande sensação na mídia, provocando manchetes do tipo:
GÊMEAS INVENTAM UM IDIOMA PRÓPRIO
Os linguistas ficaram fascinados com estas duas pequenas sábias e, assim como os antropólogos quando estudam uma cultura indígena, passaram a investigar as regras de acesso ao idioma de Grace e Virginia, uma sociedade de duas pessoas.
Mas, depois de estudar minuciosamente as gêmeas, uma história diferente foi dada a conhecer: eram duas crianças muito isoladas que sofriam da falta de estímulos mentais e de contato social. Como, na infância, se lhes haviam diagnosticado – erroneamente – insuficiência mental (posteriormente se descobriu que tinham o QI normal), elas nunca foram matriculadas em escolas e raramente saíam de casa. Na maior parte do tempo, eram criadas por uma avó que raramente falava com elas – e só o fazia em alemão! Desprovidas da atenção dos adultos e da companhia de outras crianças, e inclusive de informações sobre o mundo exterior, o idioma inventado por Grace e Virginia preenchia-lhes um grande vazio.
Os pesquisadores chegaram à conclusão de que essa língua, que aparentava ter uma construção engenhosa, não era mais do que uma mistura de palavras em ingês a que faltavam uma gramática e uma sintaxe consistentes. Com a ajuda de terapeutas da fala, as meninas finalmente aprenderam a falar inglês, mas nunca com a fluência das crianças de sua idade e de uma maneira que pudessem integrar-se plenamente na sociedade.
Felizmente, a maioria dos gêmeos se salva desse destino trágico, já que eles estão suficientemente expostos a sua língua materna, a qual vai predominar sobre a fala dos gêmeos. A fala dos gêmeos não tem a complexidade necessária para funcionar no mundo exterior e, por isso, a maioria dos gêmeos criptofásicos tende a abandonar a sua "língua secreta" com cerca de três anos de idade.
Criptofasia
A linguagem secreta das irmãs Kennedy, provavelmente, não teria evoluído se elas não fossem gêmeas. Acontece que a fala dos gêmeos não é incomum. Este fenômeno, também chamado de criptofasia, é uma linguagem desenvolvida pelos gêmeos na primeira infância e falada por eles sozinhos.
A maioria dos jovens cria alguns códigos e gírias para se comunicarem secretamente sob os narizes dos adultos. Como os gêmeos passam muito tempo juntos desde o nascimento e apresentam o desenvolvimento da linguagem afinado, são particularmente suscetíveis de inventar uma linguagem própria que exclui as demais pessoas. Acredita-se que a criptofasia ocorra em quase 50% dos gêmeos (idênticos e fraternais).
Uma análise mais aprofundada revela que, em quase todos os casos, a criptofasia consiste numa pronúncia errônea da língua materna em crianças de 1-2 anos. Embora seja na fase em que isso também acontece a outras crianças, como os gêmeos podem entender um ao outro, eles tenderão a fortalecer esses erros se a língua materna não for praticada ao redor deles. Em casos excepcionais, como o das irmãs Kennedy na década de 1970, a fala dos gêmeos pode desenvolver-se ainda mais em detrimento da língua materna.

Extraído de: Gemelos e idiomas secretos, por John-Erik Jordan. In: Babbel

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