por Fernando Gurgel Filho, de Brasília
Semana Santa sempre me vem à lembrança uma história muito conhecida nas terras “onde a jandaia canta nas frondes do carnaubal e Iracema corre na praia em busca de um pa..., digo, de um missal”.
Dizem que a história é verdadeira e que aconteceu com uma espécie de Madame Satã cearense da década de sessenta, mas o revisionismo histórico determinou algumas modificações no texto.
Sabe-se que no “ciará num tem dissu, não”, então, vamos falar metaforicamente, para conseguirmos colocar a coisa metadentricamente: por aquelas bandas vivia um modista, ou antes, es-ti-lis-ta, que tornou-se famoso por gostar de mexer com varinhas e varões. Em Nova Jerusalém - PE era conhecido como qualira, a meninada na rua chamava-o de baitola, os colegas no colégio, de peroba, e a mamãe, de minha "última Flor do Lácio, inculta e bela". Em suma, era um completo viado, com registro no Conselho Regional, carteirinha e todos os documentos necessários.
Por suas mágicas, passou a ser chamado de Arre, correspondente alencarino do bruxinho inglês famoso entre a criançada. O Pote foi acrescentado depois, quando seu pai, um típico, bondoso e tolerante pai de família do interior nordestino, enfiou-lhe uma quartinha na cabeça, quebrando-a (a quartinha). Não era bem um pote, pois quartinha é menor, mas o apelido ficou.
Bom, quando Arre Pote montou seu ateliê, ficou muito mais afamado na capital.
Em determinado ano, os estudantes da Faculdade de Arte da Universidade Federal do Ceará resolveram montar a Paixão de Cristo no Teatro José de Alencar. Obtiveram autorização para utilizar o local, mas não tinham recursos para fazer as roupas de época. Recorreram a alguns empresários e estes encaminharam os estudantes para o ateliê do Arre Pote.
Arre Pote ficou muito entusiasmado com o projeto, mas fazia uma exigência: queria ser Jesus Cristo. Os estudantes entraram em pânico. Como o público iria encarar "aquele" Jesus? Além do mais, já tinham um Cristo adequado para o papel: alto, louro, de olhos azuis, uuiii... O Jesus escolhido nem sotaque de cearense tinha!
Estudante de arte tem muito dessas viad..., digo, distorções históricas em prol da plasticidade. E a verdade que se dane.
- Então quero ser guarda romano! Tenho um chicotinho muito fééééécsion (ele escrevia e pronunciava fashion com “x”). Quando bate nas costas faz sléééépi, spléééchi, e não dói.
- É guarda ro-ma-na e o do chicote serei eu, falou grosso um estudante alto, louro etc. E não posso emprestar meu chicotinho féééééxion para ninguém! (ele escrevia e pronunciava fashion com “ch”), completou jogando a mãozinha pra frente.
Depois de muitas idas e vindas, principalmente do elenco da guarda romana, convenceram Arre Pote a fazer o papel de Pôncio Pilatos. Seria mais adequado para iniciar-se na nobre arte de encenar em público, diziam.
Arre Pote gostou da mudança e caprichou nos figurinos.
Dia da estreia, teatro lotado por estudantes, parentes e convidados, tudo corria às mil maravilhas. Tinha até mães, tias e avós chorando de emoção!
A tensão era grande quando Arre Pote, digo, Pôncio Pilatos, holofotes destacando-o, dirigiu-se ao centro do palco, colocou um pezinho à frente e abriu os braços. Solene como a cena exigia. Sua figura ficou emoldurada por uma bela capa carmesim adornada de pedrarias faiscantes, que lhe dava mais força dramática.
Postado assim, no centro e bem à frente do palco, ele faz a célebre pergunta à turba:
"QUE QUEREIS DE MIM, Ó FARISEUS?".
O teatro quase veio abaixo, literalmente, quando a estudantada toda gritou:
"O ANEL DE COURO, ARRE POTE!"
Nenhum comentário:
Postar um comentário