Por Fernando Gurgel Filho (de Brasília)
Certas solenidades nunca perdem aquele ar solene. Pra ficar somente nessa nossa tenebrosa civilização ocidental cito algumas de nossas mais caras solenidades: batismo, enterro, formatura, baile de debutantes (a torturante “Primeira Valsa”), casamento (o delicioso “Último Tango”).Atualmente, o que existe de mais solene em termos de “pompa e circunstância”?
Ora, não precisa nem pensar muito: é POSSE. Ganha de qualquer solenidade. Escolhe-se tudo do melhor. Melhores roupas, melhores convidados, melhores discursos, melhores recepcionistas... Todos querem brilhar. De qualquer jeito.
E, como toda solenidade que se preza, convidado é a coisa mais interessante de se observar e identificar: a secretária, o apressado, o enfadado, o cansado, o entusiasmado, o “que diabos estou fazendo aqui?”, o “telefonista”, o parente, o amigo do peito, a esposa, o assessor, o...
Pera aí. Aquele não tem definição. Vamos analisar com calma. Está um pouco deslocado. Talvez esteja apenas procurando um lugar onde ficar. Ah sim, o sacrificado...
O sacrificado está desempregado – vai continuar assim -, mas conseguiu um convite com um amigo. “Pra fazer uma social, sabe?”, seja lá o que isto signifique. Pra ir, consultou todos os oráculos: Tarot, faca na bananeira, búzios, baralho, I Ching, borra de café, a mãe. Comprou um terno numa loja de departamentos em prestações a perder de vista, passagens idem, estadia nem pensar, vai voltar com fome ou vai tentar se safar no coquetel. É o que menos tem afinidades com o que está “rolando” na solenidade. Não escuta nem os discursos, sofre-os.
E discurso de posse tem que ser longo. Mesmo que não diga muita coisa. Quem assiste pela primeira vez “E o vento levou...” sabe o significado de esperar pelo final e ele não chegar nunca. Quando você pensa que o filme está acabando ainda tem o triplo de enredo pra “acontecer”.
E discurso de posse, além de longo, tem que ser chato. Pré-vestibular pra monge tibetano. Ou alguma espécie de teste para saber quem está com quem. Exemplo: se o orador for o empossado e o cara ao lado, com o traseiro doendo, disser: “Nossa, como fala!”. Pode escrever: é do lado dos que estão saindo. Os convidados dos empossados são condescendentes. É. Porque é difícil você ouvir um discurso e não ver alguém bocejando ou se revirando na cadeira, tossindo, pigarreando, falando alguma "abobrinha".
Alguns discursos são fatais. Mais fatais do que outros. Parece que o orador entoa um mantra cavalar pra boiada dormir. Como o famoso “hipnotizador de lagartixas”. O próprio nome já diz tudo. O cara começa a discursar e... Pimba! Até as lagartixas relaxam e começam a cair do teto.
Existem filmes que, de tão ruins, viram cult. Discurso, não. E não existe exceção à regra. Só existe o lado de quem você está. Aí, você arremeda um: “até gostei”. Ou fica calado.
Desculpem. Minto. Existem discursos bons, sim. Porém, não são discursos. Foi o orador que os classificou como tal. São simples peças de decoração ou entretenimento. Apenas isto, não servem pra mais nada. Algumas dessas peças são lindíssimas. Um belo exemplo nos dá o Luiz Fernando Veríssimo em uma de suas crônicas: “Não canso de contar que uma vez vi o Millôr Fernandes esperar que diminuíssem os aplausos entusiasmados, que se seguiram à sua leitura de uma magnífica defesa da democracia e dos direitos humanos, para informar que acabara de ler o discurso de posse, na Presidência, do general Médici.”
Discurso sério de posse é longo e chato. Outro dia li uma crônica, acho que do Élio Gaspari, onde ele dizia conhecer alguém cujos discursos eram tão longos e tão chatos, mas tão chatos, que o próprio orador, um dia, não aguentou e cochilou. É sério!
Bom, já são quase dois metros de texto. Pior do que discurso. Quando acordar, continuo...
Ver também...
Discursos de posse -1, O discurso otimista do Barão, As regras do discurso e 2 em 1.
5 comentários:
Há na WEB os discursos inflamados de Hitler legendados para portugues. Todos peças retóricas que falam de democracia e liberdade.
Mao t. Tung disse certa vez que as palavras convencem, mas o exemplo arrasta.Estava certíssimo!
Falar bonito é fácil, o difícil é viver bonito.
Comentário á consideração de Fernando Gurgel que escreveu o Discurso de Posse.
No blog do Estadão, certa vez li a crítica sobre o filme A Onda. O título da matéria era “A Onda: o pequeno fascista que existe em nós - por Luiz Zanin, Seção: Cinema, Críticas 08:49:36” - http://blog.estadao.com.br/blog/zanin/?title=a_onda_o_pequeno_fascista_que_existe_em_&more=1&c=1&tb=1&pb=1
Além da crítica em si, um dos comentários, que transcrevo abaixo, foi muito interessante, pois creio que sintetizou o que pode representar um discurso na voz de quem sabe representar com maestria:
Comentário de: pinkareta [Visitante] 26.08.09 @ 15:17
"Há, mais ou menos, 25 anos atrás, fui assistir uma peças de teatro, apresentada no auditório do colégio onde estudava; um monólogo, onde o ator proferia um discurso. Ao longo de uma hora, ele foi nos envolvendo com suas justificativas pela melhoria de vida da nação, reconhecimento ao valor do trabalho, da família, da educação, da empresa nacional, dos bons costumes, e assim por diante. No final do discurso inflamado, ele já havia conquistado toda a platéia que o assistia empolgada. Ele, de pé, num pulpito elevado, com apenas uma luz sobre seu rosto, encerrou o discurso e todas as luzes se acenderam. Para espanto geral, vimos, então, que o palco todo era coberto de imagens nazistas. Foi aterrorizante!
Assombrados, descobrimos o quanto é fácil enganar a massa e iludir toda uma nação. Chocados e envergonhados, ficamos no silêncio por muito tempo, digerindo nossa cruel situação. Só depois de recolhidos nossos cacos pelo chão é que pudemos aplaudir o trabalho do ator e, eu nunca mais me esqueci disso."
Bom dia muito bem estruturado tópico , apreciei muito, talvez poderiamos tornar-nos amigos de blog :) lol!
Aparte de brincadeiras sou o José, e como tu publico na internet embora o tema domeu blogue é bastante distinto de este....
Eu faço páginas de poker sobre bónus grátis sem arriscares do teu bolso......
Apreciei muito aquilo vi escrito!
Obrigado, José.
Mas faltou o endereço de teu blog para que eu possa acessá-lo.
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