18 outubro, 2019

A reputação do gato preto

por Amanda Foreman, The Wall Street Journal
18 de outubro de 2018
O que o gato preto fez para merecer sua reputação de símbolo do mal?
Não foi sempre assim. De fato, as primeiras interações entre humanos e gatos foram benignas e baseadas em conveniência mútua. A invenção da agricultura no período neolítico levou a excedentes de grãos, que atraíram roedores, que por sua vez motivaram os gatos selvagens a se aproximarem dos humanos na esperança de pegar o jantar. A domesticação logo se seguiu: o gato de estimação mais velho do mundo foi encontrado em um túmulo de 9.500 anos em Chipre, enterrado ao lado de seu dono humano.
No entanto, como os antigos egípcios perceberam, mesmo quando domesticados, o gato mantém sua independência. Os egípcios eram fascinados por opostos divinos e simetrias cósmicas, e viam esse tipo de dualidade no gato - um predador feroz que também era um guardião leal. Várias divindades egípcias foram retratadas em forma parcialmente felina, incluindo Bastet, que era uma deusa da violência, bem como da fertilidade. Uma de suas cores sagradas era a preta, que foi como o gato preto alcançou seu status especial.
Os egípcios foram únicos em sua extrema veneração de gatos, mas não estavam sozinhos em considerá-los como tendo uma conexão especial com o mundo espiritual. Na mitologia grega o gato era um familiar de Hecate, deusa da magia e feitiçaria. O animal de estimação de Hecate já havia sido uma criada chamada Galanthis que, por ser rude, foi transformada em um gato como punição pela deusa Hera.
Quando o cristianismo se tornou a religião oficial de Roma em 380, os gatos foram associados ao paganismo e à feitiçaria. Além disso, a independência do gato sugeriu uma rebelião intencional contra o ensino da Bíblia, que dizia que Adão tinha domínio sobre todos os animais. A reputação do gato piorou durante a era medieval, quando a Igreja Católica lutou contra heresias e dissidentes. Em 1233, o papa Gregório IX emitiu uma bula papal, "Vox in Rama", que acusava hereges de usar gatos pretos em suas orgias sexuais noturnas com Lúcifer - que era descrito como meio gato na aparência.
Na Europa, um número incontável de gatos foi morto na crença de que eles poderiam ser bruxos disfarçados. Em 1484, o papa Inocêncio VIII ventilou as chamas do preconceito contra o gato com sua bula papal sobre feitiçaria, “Summis Desiderantes Affectibus”, que afirmava que o gato era "o animal favorito do diabo e de todas as bruxas".
A Era da Razão deveria ter resgatado o gato preto de seu status de pária, mas as superstições são difíceis de morrer. (Quantos prédios modernos faltam no 13º andar?). Os gatos tinham muitos fãs fervorosos entre escritores do século 19, incluindo Charles Dickens e Mark Twain. Mas Edgar Allan Poe, o mestre do conto gótico, atuou ao contrário: em sua história de 1843, "O gato preto", em que o espírito de um gato morto leva seu assassino à loucura e à destruição.
Portanto, tenha pena do pobre gato preto, que, por culpa própria, deixou de ser um instrumento do diabo para ser a ferramenta conveniente de um escritor de terror.

Gatos e religião: 1 e 2

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