Há quem procure lugares de retiro no campo, na praia, na montanha; e acontece-te também desejar estas coisas em grau subido. Mas tudo isto revela uma grande simplicidade de espírito, porque podemos, sempre que assim o quisermos, encontrar retiro em nós mesmos. Em parte alguma se encontra lugar mais tranquilo, mais isento de arruídos, que na alma, sobretudo quando se tem dentro dela aqueles bens sobre que basta inclinar-se para que logo se recobre toda a liberdade de espírito, e, por liberdade de espírito, outra coisa não quero dizer que o estado de uma alma bem ordenada. Assegura-te constantemente um tal retiro e renova-te nele. Nele encontrarás essas máximas concisas e essenciais; uma vez encontradas dissolverão o tédio e logo te hão-de restituir curado de irritações ao ambiente a que regressas.[...]
Numa palavra, lembra-te do retiro de que podes gozar no teu cantinho, que é verdadeiramente teu. E nada de agitação nem empertigamentos! Sê livre e examina as coisas como homem magnânimo, como homem racional, como cidadão e como mortal. Entre as máximas que tiveres à mão, sobre que será bom debruçar-te, nas faltem estas: as coisas não alcançam a tua alma, ficam lá fora, imóveis; as perturbações só agitam os juízos do íntimo. Em segundo lugar, todo este espetáculo que vês num abrir e fechar de olhos se vai transformar, deixar de ser. E quanta coisa de cujas transformações já foste testemunha; pensa nisso uma e outra vez!
O mundo não passa de mudança, a vida o que dela se pensa.
§3, Livro IV, Pensamentos, de Marco Aurélio
Uma ofegante epidemia
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