por Marcos Coimbra, VOX (*)
Os dois mais importantes julgamentos políticos do Supremo Tribunal Federal (STF) desde a redemocratização estão separados por quase vinte anos.E por uma distância ainda maior no modo como em relação a eles o Tribunal se portou.
Em dezembro de 1994, em quatro sessões, julgou a Ação Penal 307. Eram 9 acusados, sendo o primeiro o ex-presidente da República, Fernando Collor. Na mesma Ação, estavam Paulo César Farias e Cláudio Vieira, respectivamente tesoureiro de campanha e antigo secretário particular do ex-presidente. Com eles, assessores e secretárias.
De agosto para cá – e com perspectiva de atravessar outubro -, o STF está julgando a Ação Penal 470, sobre o “mensalão”. Nela, os acusados são 38.
Não há um ex-presidente entre os réus – e não por falta de esforço dos oposicionistas mais combativos, especialmente os pitbulls da mídia conservadora. Como estariam felizes se Lula tivesse sido envolvido!
Mas há, na 470, figuras estelares do PT, entre as quais uma das mais expressivas lideranças de sua história, José Dirceu. Constam também deputados de vários partidos, além de pessoas que, como na 307, nada mais seriam que coadjuvantes.
Dos 11 ministros que compunham a Corte em dezembro de 1994, apenas dois ainda permanecem. Um não votou, no entanto, na decisão da 307. Por ter parentesco com Collor, Marco Aurélio Mello se disse impedido.
O STF de 1994 resolveu ser célere e discreto, considerando a gravidade do que tinha a decidir e levando em conta que o País não ganharia se o julgamento se estendesse e fosse espetaculoso.
Nada de sessões televisionadas, de votos intermináveis frente às câmaras, de entrevistas no final do dia.
Sob a presidência de Octavio Gallotti, os ministros de 1994 evitaram que o julgamento ocorresse em plena época eleitoral. Deixaram terminar a eleição geral de outubro e só depois iniciaram os trabalhos.
Devem ter avaliado que seria equivocado forçar a coincidência do julgamento com a eleição, por menor que fosse o risco de que ele interferisse nas decisões do eleitor. Um partido poderia ser beneficiado e outro prejudicado, o que aqueles ministros entenderam ser inaceitável.
O julgamento da Ação 307 aconteceu em ambiente de opinião pública semelhante ao que temos atualmente, porém muito mais intenso: a vasta maioria das pessoas tinha certeza que Collor era culpado e estava disposta a ir às ruas para dizê-lo. Hoje, nem com os mais veementes esforços da oposição saem de casa.
O Supremo de 1994 estava errado quando julgou a Ação Penal 307 com rigor técnico? Quando exigiu que a denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) provasse tudo que alegava contra os réus? Quando considerou improcedente a acusação contra Collor, por não haver prova sólida e por não ter sido demonstrado um ato de ofício que tivesse praticado e que significasse crime de responsabilidade?
Terá sido um erro daqueles ministros “frustrar” o sentimento da opinião pública, que “exigia” a “punição exemplar” do ex-presidente? Ou foram corajosos ao afrontá-la, mostrando que as “certezas” de momento são irrelevantes e que a lei deve sempre ser obedecida?
Em retrospecto, percebemos em quanto o Brasil saiu maior da decisão daqueles ministros.
Enquanto vemos os malabarismos dos de agora para ajustar a realidade à denúncia da PGR, enquanto inovam no Direito para “responder” aos “anseios da opinião pública”, enquanto obsequiosamente cumprem o script que a mídia conservadora escreveu, é um alívio lembrar o Supremo de então.
E acreditar que outros virão.
(*) publicado no "Correio Brasiliense", edição de 30/09/12
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