por Fernando Gurgel Filho
Carlos Drummond de Andrade disse: "Extraordinário romance-memorial-poema-folhetim que Ariano Suassuna acaba de explodir. Ler esse livro em atmosfera de febre, febril ele mesmo, com a fantasmagoria de suas desaventuras, que trazem a Idade Média para o fundo Brasil do Novecentos, suas rabelesiadas, seu dramatismo envolto em riso. Ah, escrever um assim deve ser uma graça, mas é preciso merecer a graça da escrita, não é qualquer vida que gera obra desse calibre".Faltou pouco para o Suassuna escrever "o" romance do Brasil. A partir de fatos históricos, como a chacina ocorrida no sertão de Pernambuco em que inocentes foram assassinados para fazer ressuscitar o Rei Dom Sebastião - a própria contradição do fato é tragicômica - Suassuna coroa o Movimento Armorial com um romance de armas, brasões, fidalguias, reis e vassalos, existentes apenas na imaginação doentia de sertanejos fanáticos.
O narrador, que se autodenomina Dom Dinis Quaderna, em estilo que ele mesmo chama de régio-sertanejo, transforma "uns cavalos pequenos, magros e feios, uma porção de gente suja, magra faminta e empoeirada, arrastando ... uma porção de velhos animais de Circo, famélicos e desdentados, numa tropa pobre e amontoada" em uma "Cavalgada fidalga composta de Ciganos, vestidos de gibões medalhados e cravejados, trazendo onças,veados, gaviões e cobras... ...precedida por duas bandeiras, uma com onças e contra-arminhos, outra com coroas e chamas de ouro em campo vermelho."
Essa visão distorcida da realidade revela, tão-somente, a má formação do narrador e as suas visões de um mundo fantástico em que ele almeja implantar uma monarquia sertaneja-negro-tapuia em oposição à elite ibérica-mouro-portuguesa. A caricatura do País é perfeita, onde a elite e a intelectualidade estão representadas por um filósofo de direita que se diz oriundo da melhor estirpe dos coronéis de engenho e outro de esquerda que diz representar a alma sertaneja e mestiça do índio e do escravo. Os dois vivem às custas do narrador que, em tudo, parece representar o Povo. E se servem dele até para firmar suas ideias caricatas de um País tragicômico.
É um livro que merece ser lido e relido, atentando para os tangenciamentos com a realidade dos sertões e para os fatos históricos narrados - na forma distorcida pelo narrador, claro. (FGF)
Em tempo
O escritor paraibano Ariano Vilar Suassuna, autor de "Auto da Compadecida" e "A Pedra do Reino", morreu nesta quarta-feira (23), aos 87 anos, no Recife.
Nascido em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa, em 16 de junho de 1927, era filho do político João Suassuna, que ocupou o governo da Paraíba e foi assassinado no Rio de Janeiro, em 1930.
A família passou a viver em Taperoá, onde Suassuna começou a estudar e viu a primeira peça de mamulengos (fantoches típicos do nordeste brasileiro), que depois teria influência em sua produção teatral.
Em 1942, o autor se mudou para Recife e aos 16 anos começou a escrever poesias. Aos 20 publicou a primeira peça, "Uma Mulher Vestida de Sol".
Em 1950, formou-se advogado, profissão à qual se dedicou durante anos sem abandonar a literatura.
Em 1955, publicou o "Auto da Compadecida", sua obra mais famosa, que em 2000 seria adaptada para uma minissérie e um filme de sucesso, estrelados por Matheus Nachtergaele e Selton Mello.
Com projeção nacional, deixou a advocacia e viu suas peças serem montadas em outros Estados.
Na década de 1970, lançou o Movimento Armorial, com o objetivo de criar arte erudita a partir de elementos da cultura popular, como literatura de cordel e música de viola. Seu livro "O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta", de 1971, é baseado nesses preceitos.
"Eu digo sempre que das três virtudes teologais , sou fraco na fé e fraco na caridade, só me resta a esperança. Eu sou o homem da esperança." |
1947 - "Uma Mulher Vestida de Sol"
1949 - "Os Homens de Barro"
1950 - "Auto de João da Cruz"
1952 - "O Arco Desolado"
1953 - "O Castigo da Soberba"
1954 - "O Rico Avarento"
1955 - "Auto da Compadecida"
1957 - "O Casamento Suspeitoso"
1957 - "O Santo e a Porca"
1958 - "O homem da Vaca e o Poder da Fortuna"
1959 - "A Pena e a Lei"
1960 - "Farsa da Boa Preguiça"
1962 - "A Caseira e a Catarina"
1971 - "O Romance d'A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta"
1976 - "História d'O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão / Ao sol da Onça Caetana"
1980 - "Sonetos com Mote Alheio"
1985 - "Sonetos de Albano Cervonegro"
1987 - "As Conchambranças de Quaderna"
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Ariano e os computadores, Por causa de uma gravata e Aboio
02/08/2014 - Atualizando a nota com Literatura de Cordel
A chegada de Ariano Suassuna no Céu, por Klévisson Viana e Bule Bule. In: Livro Errante
(obrigado a Winston Graça pela lembrança)
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