03 abril, 2009

Noites de cão

Triiim... Triiim... Triiim...
Mary Rose despertou, enfiou os pés nos chinelos e dirigiu-se ao telefone.
- Alô?!
- Uuuu. Uuuu. Uuuu. Uuuu.
Do outro lado do fio, a voz que uivava - a quinta noite consecutiva que isso acontecia - e, como nas vezes anteriores, às três horas da madrugada.
Mary Rose, no resto da noite, não mais conseguiu dormir. Por mais que contasse cobras e lagartos... cobras e lagartos.... cobras e lagartos... não conseguiu dormir. Amanhã, cretino, iria ter outra vez com o policial Smith Joe. Quem sabe, Smith Joe, a essa altura, já tivesse no bolso do colete, junto com o pirulito, o nome do engraçadinho dos uivados telefônicos. Amanhã, maldito. A vingança, aprendera algures, é um prato que se come frio.
Hoje, maldito. Mary Rose pôs-se fora da cama. Manhã, com azia e olheiras. Não quis, não estava a fim de alimento algum: "breakfastio" (ou, talvez, por desejar apenas aquele prato frio). Procurou Smith Joe no Departamento de Trotes da Polícia. Smith Joe, do DEPTROT, era um corpulento policial que, nas horas vagas, gostava de tocar piano à maneira de acordeão. Também gostava de ser eficiente. Durante a noite, em operação conjunta com um "trotecista" da Companhia de Correios e Telefones, mantivera sob escuta o telefone de Mary Rose. Então, quando ela o procurou, Smith Joe já sabia qual fulano fizera a chamada das três horas da matina.
- O telefone está no nome de Kenneth Paul. Conhece-o?
- Kenneth Paul? Co'os diabos, é meu vizinho.
- Existe alguma rixa entre ambos?
- Não.
Smith Joe solicitou o comparecimento de Kenneth Paul no DEPTROT. Comparecimento amigável, querido Paul. Venha, querido Paul. Ou, do contrário, irei eu, aí, lhe aplicar uns telefones. Telefones na gíria policial, querido Paul. Quem pergunta se penico de barro faz zoada, acaba mais cedo ou mais tarde... pedindo penico. (Esta última frase era a cara de Smith Joe. Ele a citava por todo, qualquer ou nenhum pretexto.)
Meia hora após, Kenneth Paul estava no DEPTROT. Enfrentando o olhar feio de Mary Rose, sob o olhar de leguleio de Smith Joe.
- Paul, meu vizinho, por que esses trotes bestas?
- Mary Rose, a senhorita tem um cão...
- Que tem Vociferous com isso? Não faz mal a uma aranha.
- Vociferous uiva à noite. Um pouco antes das três horas da madrugada.
- Não percebo. Nessa hora estou numa fase REM (rapid eye movements) do meu sono.
- Também estou numa fase REM. Mas Vociferous me acorda.
- Por isso, me dá aqueles telefonemas eivados de uivados?...
- Sim, até que você se desfaça do cão.
- Eu me desfazer de Vociferous? Never.
- Então, vamos ser solidários na insônia.
- Fico sem telefone, mas Vociferous continua comigo. Com casa, comida e coleira lavada.
- Comida, você falou? Carne com vidro moído, por exemplo?...
- Atreva-se, Paul.
Foi quando o pirulito de Smith Joe acabou. E, para descer à bombonière, ele precisava antes de tudo pôr um termo àquela discussão. Pensando nisso, Smith Joe sentenciou:
- Bote uma focinheira no cão, senhorita.
Valeu. Com Vociferous agora de focinheira, durante a noite, os dois vizinhos voltaram às boas.
Vejamos, então, o que acontece  a Mary Rose quando ela, às três horas da calada, atende o seu telefone:
- Alô?!
- Mupf. Mupf. Mupf. Mupf.

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