Mas as táticas e a mestria de Alexandre, usadas como referência durante vários séculos, tornaram-se completamente obsoletas no século XIV, quando a pólvora começou a encher os campos de batalha de fumo. Com a introdução e utilização da pólvora ao serviço dos exércitos, as táticas forçosamente tiveram de se adaptar às novas circunstâncias e danos, agora infligidos à distância. As armaduras, outrora tão úteis, tornaram-se completamente devassáveis e portanto inúteis para fazer face ao novo poder de destruição resultante da aplicação da pólvora.
O aparecimento da pólvora e das primeiras armas de fogo
A descoberta da pólvora tem sido consensualmente aceite na comunidade científica como originária da China no século IX. Descoberta pelos alquimistas chineses na busca do elixir da imortalidade, a pólvora resultou de séculos de experimentação. A palavra chinesa para "pólvora" significa “fogo da Medicina”, estando a primeira referência às propriedades incendiárias da pólvora descrita num texto "taoista" (真元妙道要略) de meados do século IX:
"... aquecidos juntos, enxofre, realgar (derivado do ácido sulfúrico) e salitre com mel originaram chamas e fumo, de tal forma que as suas mãos e rostos foram queimados, e até mesmo toda a casa ardeu."Nos séculos que se seguiram, foram descritos uma variedade de objetos propulsores criados pelos chineses, incluindo lança-chamas a pólvora, foguetes, bombas, entre outros. Os primeiros projéteis apareceram por volta de 904-906 – "flying fires".
No entanto, o primeiro registo do uso da pólvora ao serviço de um exército como propulsora de lanças foi descrito em 1232 na batalha de Kai-Keng entre a China e a Mongólia. Os mongóis após o combate criaram os seu próprios modelos e pensa-se terem sido uns dos responsáveis por sua disseminação pela Europa, a par de Roger Bacon, que importou e melhorou a formula da pólvora – descrita no seu livro "De nullitate magiæ" publicado em 1216 .
Os primeiros objetos propulsores de projéteis eram constituídos por um tubo de bambu preenchido por pedras ou outros objetos de arremesso onde uma mistura de salitre, enxofre e carvão em contato com o fogo criava um escape de gases responsável por expelir os objetos. Os dispositivos que utilizavam as propriedades propulsoras e explosivas do novo composto são mencionados pela primeira vez num manuscrito datado de 1326, em que se descreve um canhão em forma de vaso, capaz de disparar um projétil de ferro em forma de seta.
A introdução da pólvora na Europa rapidamente se fez acompanhar da sua utilização para fins bélicos. No século XIV surgiram os primeiros canhões de bronze e a sua consequente evolução deu origem a armas cada vez mais pequenas, capazes de serem transportadas e utilizadas por um só homem, as chamadas armas de fogo de roda de mecha – arcabuzes e mosquetes – que vieram revolucionar toda a tática militar de então.
A primeira arma de fogo individual usada na Europa teve origem na Hungria, com o nome de arcabuz, sendo que um em cada três soldados do exército austro-húngaro possuía um arcabuz. No final do século XV as armas de fogo eram apenas um complemento aos besteiros, mas em 1550 a sua importância estratégica tinha suplantado o uso da besta como arma principal de guerra, quer nos campos de batalha europeus quer nos do Novo Mundo. O mosquete, que sucedeu ao arcabuz, foi uma das primeiras armas de fogo usadas em larga escala pelos soldados de infantaria entre os séculos XVI e XVIII. A arma era carregada pela boca com pólvora e por aí era igualmente colocado o projétil. O sistema de disparo consistia em mechas incendiárias. O alcance máximo que um mosquete poderia alcançar era de cerca 90 a 100 metros.
A Batalha de Crécy – 26 de agosto de 1346
Segundo relatos da época, os canhões foram usados pela primeira vez na Europa, nos campos de Crécy, pelas tropas inglesas durante a Guerra dos Cem anos. A Batalha de Crécy teve lugar a 26 de Agosto de 1346 e foi o primeiro grande confronto da Guerra dos Cem Anos, entre os exércitos de Filipe VI, da França, e Eduardo III, da Inglaterra, que terminou com a vitória dos ingleses.
Extraído de: "As Primeiras Lesões por Armas de Fogo – novo paradigma para o cirurgião militar – Ambroise Paré"
Autores: Miguel Onofre Domingues Madalena Esperança Pina
Rev. Port. Cir. no.23 Lisboa dez. 2012
http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1646-69182012000400013
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