15 outubro, 2010

FHC e a Contra-Reforma Tucana

SERRA como instrumento de punição
às mulheres que defendiam o aborto
na Idade Média
"Fernando Henrique Cardoso é hoje um velho solitário de Higienópolis, por onde zanza, esquecido, entre moradores indiferentes. Pelas ruas do nobre bairro paulistano, FHC nem curiosidade mais desperta nos transeuntes, embora muitos deles o aceitem como mau professor da aula magna do neoliberalismo ainda ensaiada, agora em ritmo de Marcha sobre Roma, pelo candidato José Serra, herdeiro político a quem despreza. Serra escondeu Fernando Henrique ao longo de toda a campanha eleitoral para só resgatá-lo quando, desfeita qualquer possibilidade de uma vitória digna, os tucanos embicaram em direção à vala golpista do moralismo anti-aborto, do terrorismo religioso e da malandragem política que faz de demônios miúdos símbolos sagrados da cristandade.
FHC é ateu, embora tenha passado seus oito anos de mandato escapulindo das patrulhas religiosas, diga-se, sem muito esforço, apoiado que era pela mídia e pelas representações do grande capital. Era, por assim dizer, um santo do pau oco ostensivamente tolerado por cardeais do PFL que o controlavam, beatos interessados em dividir o pão das estatais a preço de banana ao mesmo tempo em que vendiam indulgências políticas aos cristãos-novos do PSDB, estes, alegremente ungidos pelo papa ACM I, o Herético. Não por outra razão, céu e inferno se moveram, em conluio, para esconder na Espanha o filho bastardo de Fernando Henrique com uma repórter da TV Globo enquanto durasse, na Terra, o reinado do príncipe dos sociólogos. Assim foi feito. Fiat voluntas tua.
Anjo caído na Praça Vilaboim, FHC não é mais sombra do que era, pelo contrário, circula entre os mortais a remoer, aqui e ali, a mágoa de ter sido esquecido pelos que tanto comeram em sua mão. Mesmo agora, que Serra, abençoado pela Padroeira e batizado nas pias da TFP, encorajou-se a falar das privatizações, o velho ex-presidente sabe que, para ele, mesmo as semelhanças se tornaram distantes. Porque se FHC se moveu para a direita pelo viés econômico, embalado pela onda mundial da globalização made USA, Serra decidiu se jogar no precipício do fascismo sem máscaras nem rede de segurança, disposto a arreganhar os dentinhos para defender os fetos que Dilma Rousseff pretende assassinar, segundo avaliação criteriosa de Mônica Allende Serra, postulante ao cargo de primeira-dama e, provavelmente, ao de inquisidora-mor do Santo Ofício tucano.
De alguma maneira, no entanto, nos passos solitários que dá entre a banca de jornal e a padaria da dourada comunidade onde vive, Fernando Henrique Cardoso deve ter lá seus momentos de depressão mundana, ainda que, movido pela vingança, nada faça para conter a insensatez e o ridículo de seus correligionários e velhos companheiros empenhados, no alvorecer do século XXI, a jogar a política brasileira nas trevas da Idade Média. Faria melhor, na quadra da vida em que se encontra, se barrasse, com a autoridade que lhe resta, essa cruzada insana.
Fernando Henrique sabe que foi graças a ele, às alianças e escolhas que fez, que o PSDB, força política nascida como anunciação de novos tempos de ética e de igualdade social, transformou-se na trombeta do apocalipse da Opus Dei, seita fundamentalista católica onde se ajoelha e reza o governador eleito de São Paulo Geraldo Alckmin.
Não é possível não lhe vir, lá no fundo do peito, um quê de amargura ao vislumbrar o quão graúdas e salientes se tornaram as serpentes que plantou em ovos na democracia brasileira, sobretudo a mais virulenta delas, em plena e venenosa atividade, entocada no Supremo Tribunal Federal.
Talvez seja a hora de FHC se confessar."
De Leandro Fortes, publicado no blog Brasília, eu vi

Programa "Roda Viva", 1999. A uma pergunta sobre o aborto
"Eu acho que se deve garantir o direito às mulheres de usarem ou não essa possibilidade. Isso é um direito que as mulheres têm, mas não uma imposição".
Resposta da socióloga Ruth Cardoso, mulher de FHC, falecida em 2008

5 comentários:

Nelson Cunha disse...

Meu caro Paulo,
A comparação do governo Lula com o do FHC é injusta porque FHC/Itamar receberam o Brasil com uma inflação de 20% ao mês, governos estaduais e prefeituras insolventes, bancos estaduais quebrados,empresas estatais deficitárias e Previdência Social no caminho do colapso. Estes problemas foram solucionados à custa de grande desgaste para o governo anterior, agravado evidentemente pela oposição do PT às medidas saneadoras. O Governo Lula recebeu o doente em convalescença , terminou sua recuperação e inciou uma época de prosperidade que a todos beneficia, especialmente os mais pobres. Dito isso , acho mais justo considerar os dois governos complementares, ou seja , um governo coloca o doente em pé e o outro o faz andar. A minha crítica ao PT/LULA é a tentativa de esconder da grande massa esses fatos e daí tirar proveito eleitoral. Isso é desonesto e não contribui com a biografia do Lula.
Qualquer governo que suceder a este, encontrará suas próprias dificuldades e mais uma vez a comparação não será apropriada. Como vê, estou usando toda a moderação possível e esperada de um mineiro.
Acho que o melhor candidato para o Brasil é Serra por uma única e irrefutável razão: a experiência está do seu lado. Dilma deverá sua vitória ao seu padrinho e não se sabe o que pode vir daí.
Em todo caso, todas as realizações citadas por você pelo PT estão corretas o que não significa que serão repetidas, daí a minha desapaixonada opção pelo 45.

Um grande abraço do colega Nelson Cunha

Paulo Gurgel disse...

Amigo Nelson,
Muito te admiro, meu chapéu te tiro muito humildemente...
Mas a comparação do governo FHC (passado) com o governo Lula (presente) é essencial a quem busca influir sobre o futuro (para torná-lo melhor).
O Plano Real foi uma conquista histórica de/para todos os brasileiros. Entendo-o, porém, como uma obra de uma equipe de economistas do governo de Itamar Franco. Este, sim, um grande brasileiro, um homem probo, honrado e patriota. Cercou as hidrelétricas mineiras com a sua polícia para evitar que elas entrassem no rol das privatarias promovidas por FHC/Serra. Seriam dinamatadas, se preciso fosse. Expulsou de seu gabinete o proprietário chantagista da editora Abril, o qual, desde então passou a ridicularizá-lo e a vilipendiá-lo. Recebeu em palácio o baiano Malvadeza, todo ameaçador e que dizia ter inúmeras denúncias contra seu governo. Mas cuidou de que a imprensa lá estivesse para vê-las: eram apenas recortes de jornais de propriedade da famíla do cacique baiano. Etc.
O que atrapalha Itamar são as más companhias com que ele ciclicamente anda (como agora).
Nos seis meses finais de seu governo, quando o Plano Real saiu do papel, o mesmo foi administrado por FHC, Ricúpero e Ciro Gomes.
FHC usou-o para se eleger e também se apropriou dele (Itamar já se queixou disto em vídeo, no YouTube). No segundo ano do primeiro mandato de FHC, o Plano Real começou a fazer água, com a Bolsa de Valores (uma espécie de termômetro do capitalismo) apresentando quedas e mais quedas. No quarto ano, o Brasil necessitou de uma injeção de 45 bilhões de dólares do FMI (houve interferência do Bill Clinton) para fechar suas contas.
O empréstimo do FMI e o suborno de alguns deputados abriram o caminho para o segundo mandato de FHC.
Prossigo.
Um grande abraço.
Paulo

Nelson Cunha disse...

Paulo,
Aqui há uma discordância básica. Sou um liberal em matéria econômica e um socialista em assuntos humanos. Acho o Estado incapaz de produzir riquezas com eficiência e retidão. Os abutres estão dentro dele à espreita de oportunidades para dele se servir. Os exemplos são tão numerosos que seria enfadonho repeti-los. Todas as empresas estatais que foram privatizadas, a começar pela VALE, pagam ao país como impostos muito mais do que rendiam em dividendos para seu proprietário (o governo). Isso quando davam lucro, porque a maioria delas serviam de banquete grátis aos seus funcionários e aos de fora, as empreiteiras. O PT reconheceu o fato e sabiamente deixou como estava. Quando pôde, privatizou dois bancos estaduais e abriu o Pre-sal à prospecção estrangeira. A China só conheceu a prosperidade quando privatizou sua matriz produtiva. O engenho do capitalismo é capturar a ambição humana e colocá-la `a seu serviço. O socialismo só mostra eficiência na hora de distribuir a riqueza capitalista. Esse é o PT de hoje, um partido Social Democrata com discurso marxista para atender às correntes esquerdistas nacionais ou não. Vê-se que a estratégia funcionou daí o sucesso popular do Lula. Para olhos mais treinados, no entanto, as contradições petistas são tão claras quanto o sol do meio dia.
Itamar não fez um bom governo em Minas. Foi melhor Presidente do que Governador, mas isso não lhe mancha a biografia de homem honesto. A vitória sobre a inflação deve-se ao Ministro da Fazenda. FHC reuniu uma equipe de jovens economistas inovadores e criaram a moeda precursora do Real, a URV. A inflação que resistia à décadas, morreu do seu próprio veneno. Foi um golpe de mestre que hoje é ensinado nas escolas de economia do mundo todo. A moeda funciona como a hemoglobina, sem ela o organismo econômico não funciona. Com uma herança destas, o Lula teria que fazer um governo de mais resultados. É aí que está a nossa amável discordância. Iremos para as urnas levando duas convicções diferentes. Não vejo que o resultado influenciará muito o nosso futuro porque entre os dois candidatos a diferença resume-se a uma mexa de cabelo a mais. Passado o dia 31 poderemos voltar a pensar em amenidades. Aí estaremos novamente no mesmo barco, o dos gozadores e piadistas.
Despeço como a Dilma do alto do seu fervor religioso:

Deus esteja convosco e Nossa Senhora ilumine seu caminho.

PauloGCS disse...

Onde está escrito mexa (de cabelo), leia-se mecha. Nelson Cunha, numa mensagem a seguir, pede para fazer a correção.

Paulo Gurgel disse...

FHC (37% de aprovação no fim do mandato) foi um fracasso. A comparação com Lula (82% de aprovação no fim do mandato) é de dar pena !
Ler esta carta aberta de Theotonio dos Santos a FHC:

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17113