14 junho, 2008

Arma quente - 1

Por não mais suportar tanta aflição, Evilásio decidiu tentar a solução do desespero. Pegar o "três-oitão" em cima do guarda-roupa, encostar o cano da arma na têmpora, apertar o gatilho e... explodir os miolos. Para pôr termo a uma existência que, numa avaliação que ele mesmo fizera, adquirira ultimamente um péssimo valor. De mel coado, no máximo. Como sói acontecer a todo ser humano em que a paz de espírito deixa de ser possível. Por razões as mais diversas, já que este mundo como Deus o fez é de tão grande complexidade.
No seu caso, por causa dos assuntos com que a mulher - uma seca-pimenteira de marca maior! - vinha-lhe chateando. De modo contínuo - como cantiga de grilo! Em que a temática eram as pequenas catástrofes, por ela pinçadas com a precisão de relojoeiro no dia-a-dia do bairro. Posto não ser mulher de deixar passar em branco infortúnio de ninguém mas, sim, de relatá-lo (com grande prazer, claro) onde ouvidos existissem. Para o desasossego de Evilásio que, tendo estes mais alcançáveis, não tinha quase como fugir do tagarelar da leva-e-traz.
Ah, sobre ele andavam a desabar todas as conversas desagradáveis que perambulavam pelo bairro... Trazidas pela falação de Abigail, esse o nome da megera, de uma forma tão assídua para o recesso do lar, que ele ficava a ponto de estourar. No passado, fora mais suportável essa desdita, é verdade. Evilásio então trabalhava num emprego público onde ficava a salvo, em grande parte do dia, do baixo astral da esposa. E esta, para descarregar o humor mórbido, tinha de recorrer a outras companhias. Umas comadres que, após atenciosas escutas, como retribuição enriqueciam-lhe também a pauta.

Reprodução de "Comadres", quadro do pintor Volpi

Termine de ler este conto no Preblog.

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