11 janeiro, 2008

Fósforos

Um fato intrigante, e que não livra a cara de sociedade alguma, é a enorme quantidade de maridos que somem de casa para sempre. Outro, é que os sumiços quase todos apresentam um ponto em comum. Os maridos saíram de casa pretextando comprar fósforos. Em minhas lucubrações, não afasto a possibilidade de que uns poucos estejam a zanzar por aí, cumprindo um percurso de algum Plano Cruzado roteirizado por Kafka.
A maioria, contudo, encontra-se em algum local bem distante do ponto de desaparecimento. Numa região, geralmente soalheira, onde ninguém os conhece. Digo mais: onde ninguém os julga, já que no presente estão a viver com novas caras-metades. Os especialistas atribuem essas peripécias à andropausa (nesta síndrome, mulher nova, bonita e carinhosa é elixir da juventude). E os franceses, ao dêmon de midi, o diabo que se insinua na alma do homem cinqüentão, com o fito de promover as chamadas uniões entre o Outono e a Primavera.
Existindo ou não o diabretes, o desertor conjugal só veio a surgir, a meu ver, depopis que apareceu a caixa de fósforos. Antes, havia a poligamia, o sadomasoquismo, a inversão, o fetichismo, o bestialismo e mais um monte de práticas sexuais com nomes em latim. Mas marido fujão, não. Surgiu, como eu já disse, com o advento da caixa de fósforos. A seguir, inflamando um coração entediado aqui, outro acolá, a utilitária caixinha deu no que deu: transformou-se num dos clichês da época atual. Um fado que não vislumbro para o isqueiro descartável, por exemplo.

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