24 setembro, 2016

Crença e dúvida

Crença e dúvida não formam um binário.
Há coisas que eu acredito em 95%, e sobre as quais eu tomo decisões seguras como se fossem 100% verdadeiras. Mas aceito que há sempre uma pequena chance de que elas podem não estar certas.
Por exemplo, você pode ter 99% de certeza de que seu cônjuge não o trai, mas se você descobre um e-mail que parece vir de um amante, isso pode fazer crescer a dúvida; mas não é de imediato que você deve deixar sua crença cair a 0%.
Na minha opinião, viver com uma certa percentagem de dúvida em praticamente todas as crenças é a forma mais racional de viver,
Dave Pacheco
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O caso Heisenberg
Heisenberg era todo incerteza. Ai dele se não existisse a esposa para tomar todas as decisões.

Um comentário:

Fernando Gurgel disse...

Há algum tempo, escrevi o seguinte texto:

Todos sabem o quanto é complicado dialogar com o sistema de crenças de uma pessoa.

Deve ser por isso que muita gente se recusa a discutir futebol, religião, política...

Quando a crença se instala, a pessoa não quer dialogar. Isto implicaria analisar racionalmente o que um dos interlocutores diz e, conscientemente, a partir de suas convicções e de seu cabedal de conhecimentos, o outro tentaria mostrar os porquês de sua opinião contrária.

Mas, se estamos diante um interlocutor que, ao falar de um assunto, coloca este assunto na pauta do seu sistema de crenças, não lhe importa argumentos contrários à sua crença, mesmo que esses argumentos estejam embasados em fatos, em dados, na realidade palpável... Nada disso lhe interessa. A ÚNICA coisa que lhe interessa são argumentos que reforcem sua crença, mesmo que sejam os mais bizarros e inverossímeis.

E este sistema de crenças parece-me muito abrangente. Tem gente que acredita, até à morte, que usar uma determinada cueca em determinada ocasião lhe faz um campeão. Outros acreditam que, se usar uma determinada cor, vai acontecer-lhe coisas terríveis. Outras, que usando determinada camisa suja em frente à televisão fará seu time ganhar de
qualquer adversário. Os exemplos dessas bizarrices são infinitamente maiores do que exemplos de bom senso.

Tentem convencer essas pessoas da idiotice dessas crenças. Algumas pessoas até têm alguma noção de quão insensatas são essas crenças, até se envergonham de tê-las, mas, em hipótese nenhuma, aceitam argumentos contrários. Aceitam apenas argumentos e dados - mesmo que fictícios - que reforcem suas crenças.

Reforçada sua crença, chega o momento da catequização dos infiéis. Ele passa a querer que todos comunguem com a mesma crença.

Neste ponto, acaba a possibilidade de qualquer diálogo. Entra em campo, se possível, a tolerância. Ou seja, aceitar as liberdades individuais, as opiniões contrárias... Tudo com civilidade, cortesia...

Então, resta ao crente e seus interlocutores - principalmente a estes -, apelar para o pouco de racionalidade que porventura o diálogo/discussão ainda contenha para que, a partir do sistema de crenças de cada um, encontrem um ponto que satisfaça o conjunto. Um ponto que, pelo menos, faça o diálogo ser mais produtivo e mais prazeroso. Mesmo que isto implique em suportar alfinetas e arestas que nunca serão suficientemente aparadas. Este ponto, no meu entender, seria onde o benefício dos fatos e dos dados fosse sensível à realidade de cada um. Não unicamente ao seu sistema de crenças.

Somente assim, creio eu, pode-se discutir sistemas imperfeitos com vistas à busca de sua perfeição. Rumo à utopia.

Fernando Gurgel