28 fevereiro, 2011

Viajar é preciso, comer não é preciso

por Fernando Gurgel Filho (de Brasília)

Fernando Pessoa há de perdoar o título. E o texto, claro.
Final de ano. Férias. E uma vontade louca de viajar. Não conseguiu passagem de avião, nem tinha coragem de colocar o carro na estrada. Decidiu, com a devida vênia da esposa, que viajariam de ônibus. Para onde iam, no litoral baiano, conseguiram passagem em um ônibus com poltronas confortáveis e ar-condicionado.
O ônibus saiu cedo de Brasília e, na primeira parada para lanche, ele já estava com bastante fome.
Ao avistar os pastéis expostos na lanchonete não se conteve. Atracou-se com o maior que viu. De carne. Na primeira mordida, o óleo escorreu entre seus dedos. Estava delicioso. A fome era tanta que resolveu experimentar uma coxinha de frango e finalizou com um lustroso rissole de queijo.
Satisfeitos os passageiros e, mais ainda, o nosso viajante, o ônibus seguiu viagem sem transtornos e em um clima agradável.
Passava do meio-dia quando o ônibus parou para almoço. Não imaginava comer mais nada, pois ainda estava sentindo-se satisfeito com o lanche que fizera. Na realidade, estava até um pouco empanturrado, apesar de terem se passado mais de três horas. O cardápio estava convidativo, mas a esposa não era de comer muito. Resolveram, então, pedir um prato mais simples: um filé com fritas, acompanhados de arroz e uma saladinha. Comeu mais do que a esposa.
O ônibus partiu e ele pensou em tirar um cochilo, mas não conseguiu. Algo começou a revirar suas vísceras suavemente. Aquilo foi num crescendo até que começou a ficar meio tonto e a suar frio. Deu tempo apenas de correr para o banheiro e mirar o sanitário. Nunca pensou que existisse tanta coisa no estômago. Quase virou-se do avesso.
Saiu do banheiro pálido, abatido... Ficou mais ainda quando viu que o ar do ônibus estava meio saturado. Alguns passageiros mais sensíveis tinham colocado toalhas no rosto. Um que estava mais próximo do banheiro foi parar quase no meio do ônibus, fingindo conversar com um senhor da poltrona próxima. A garota do banco de trás ainda deu uns engulhos. Seu namorado sentou-se na perna da poltrona, talvez para evitar um provável jato. Creio que ali começava um problema de relacionamento do casal.
Ignorou o caos à sua volta e sentou-se ao lado da esposa. Tentou relaxar. Segundos depois:
- Um saco!
- Amor, sei que é um saco, mas acontece, né? Você não tem culpa...
- Um saco plástico, rápido!
Encheu o saco. Levou cuidadosamente para o banheiro e ainda deu uns jatos diretos no sanitário. Estava impressionado com a quantidade de líquido que saia do estômago. Não tinha comido, nem bebido tanto assim!
Voltou em meio aos olhares quase assassinos e sentou-se, já agarrado com outro saco plástico. O estômago deu mais alguns pinotes e parou. Seus engulhos eram seguidos pelos da garota na poltrona de trás. O namorado ainda tentava amenizar, passando um pano úmido na testa da menina, que suava frio. O banheiro entupiu de vez. Teve que levar o saco plástico, meio cheio, segurando para não derramar. Começou a sentir umas pontadas diferentes. Tentou pensar em algo para evitar sujar as calças. A camisa estava encharcada de suor. O rosto pálido pingava por todos os poros. Finalmente, o ônibus fez uma parada estratégica em uma rodoviária. Enquanto o motorista corria com o ônibus para a garagem, ele correu para o banheiro. Sem noção de tempo, parece ter passado uma eternidade jateando o vaso. Aquilo não acabava nunca! Felizmente, aos poucos o jato foi diminuindo até cessar. O banheiro não tinha papel. Teve que usar a cueca e jogar fora. Vestiu-se, jogou água no rosto, saiu para o ar livre e respirou aliviado. Pálido, com as pernas meio bambas, mas já estava melhor.
Na garagem, o ônibus parece ter dado perda total ou, então, fizeram uma limpeza muito eficiente, pois quando voltou parecia outro ônibus. Limpo, cheiroso, brilhando...
Fez-se de desentendido quando o motorista falou, apontando para o final do corredor:
- É todo seu, compadre.
Quando o ônibus partiu, notou algumas poltronas vazias. Alguns covardes devem ter desertado. Mas o resto da viajem foi tranquila e, no outro dia, o mar se encarregou de lavar sua honra e sua alma, e as férias foram salvas por dias maravilhosos.
A volta foi de uma frugalidade franciscana. A companhia não fez nenhuma reclamação em nenhum órgão de defesa do consumidor contra ele.
Feliz Ano Novo, enfim!

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