25 fevereiro, 2011

"Quase Memória"

Por Fernando Gurgel Filho (de Brasília)

SAUDADE

Tudo vem a seu tempo
Era o dito de meu pai naquele tempo
De riso fácil e alegria confiante

O tempo foi passando e levando
Na roda dessa correnteza veloz
O melhor de tudo e todos nós

Sem perguntar se era chegado o tempo
De doer assim tão doído e tanto
Nesse tempo de saudade e pranto

Ao ler "Quase Memória", do Carlos Heitor Cony, quase encontrei meu pai em cada um dos capítulos do livro. Os versos acima, linhas tortas, pequenas e doídas, vieram no meio da enxurrada de lembranças. Entretanto, como o autor do livro, fui percebendo gradativamente que aquelas lembranças não eram mais meu pai. Era uma "quase memória", aparadas as arestas que construímos ao longo de muitos anos. Era a construção boa e amorosa de alguém a quem se deve a vida, o caráter, o modo de olhar o mundo e o outro. A quantidade e intensidade de fantasias e viagens inventadas por meu pai eram bem menores, mas, como o pai do autor do livro, ele navegava em histórias fantásticas que, muito tempo depois, descobri não serem verdadeiras. Apesar de divertidas, passei a ficar muito irritado com aquilo, mas, aos poucos - num ritmo menor do que deveria, reconheço - fui aceitando-o e amando-o como era: muito humano, amigo, com um coração imenso e uma vontade inesgotável de nos ensinar sem descansos. Mesmo depois de um dia de trabalho que sabíamos estafante.
Apesar dos sentimentos que poderá despertar, "Quase Memória" é um livro para ser lido de peito aberto, se divertindo e gargalhando a cada história inverossímil do personagem de carne e osso que parece esculpido em fantasias, e deixando as lembranças correrem soltas. Vale a pena.

CADERNO DE LITERATURA
Organizador: Ernesto Fonsêca
Editor: Almir Júnior
5ª Edição, 2 de setembro de 2009

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