28 março, 2012

URUGUAI E ARGENTINA. Notas de viagem 5 e 6

por Nelson José Cunha
5
O estuário do Prata que embeleza as duas capitais é imenso. A barcaça com automóveis demora três horas para atravessá-lo. Era assim há quarenta anos quando fui à Argentina pela primeira vez.
A ponte comprida sempre prometida segue descumprida.
As praias têm águas doces e salgadas, segundo a maré e o volume do rio. Preferi chamá-las de praias mineiras. Se Minas tivesse mar seria assim: nem doce nem salgado, muito antes pelo contrário.
6
Se há fila na porta eu entro. Ou a comida é boa ou é barata. O senhor de gravata nova em terno puído examinava o cardápio colado na porta e conferia a carteira num gesto de quem anda com dinheiro contado. Conversamos. Não deixei que fosse embora, fiz-lhe o convite para jantar conosco. A comida dele chegou antes da nossa, mas pediu que a levasse de volta. Via-se ali um cavalheiro. Contou que frequentava o local (Pizzeria Las Cuartetas) desde criança, trazido pelo pai, rico fazendeiro. Queixou-se de Menem, quando perdeu sua poupança- em dólares - depositada legalmente em banco argentino. Tudo virou pó. Sua amargura e desesperança faziam-no um personagem clássico dos grandes romances. Foi o que pensei enquanto escutava seu discurso articulado e melancólico. Como tínhamos ingressos para o teatro das 23 horas (Freddie com Hernan Piquin), forçamos a despedida. Ele deixou a metade da comida intocada para nos acompanhar. Insisti para que ficasse, mas não quis. Na porta do teatro, emocionado, despediu-se. Virei-me a ponto de ver sua sombra elegante, desaparecendo ao longe.
Pobre e fidalgo argentino. Pobre Argentina.
(março de 2012)

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