Então, é difícil se desfazer da aura que ficou quando se fala naquele ano. Não porque tenha sido o mais importante daquele período. Não foi. Foi apenas o ano em que os sonhos foram dinamitados e o sistema mostrou quem mandava.
Os mais jovens, embalados em utopias, queriam apenas o prazer pelo prazer, liberdade pela liberdade, o hoje, aqui e agora, e o amanhã que ficasse nas possibilidades do que pudesse vir. Era o desejo de paz, amor e flor, sem leis, sistema ou tensões. Apenas utopia, enfim.
As frases que pipocavam nas ruas eram bem representativas. Desde o É proibido proibir ao Sejamos realistas, reivindiquemos o impossível.
Isso levaria a construir algo em termos políticos? Muito pouco provável. Mas, juventude é juventude. O desejo de qualquer jovem é transformar em fim o que poderia ser prazerosos meios de se obter uma sociedade melhor. E o movimento que acabou ali, deixou um dos seus melhores legados: construiu novos estilos de vida, novos modos de encarar o mundo, talvez uma filosofia existencialista menos materialista.
Isso não é pouco, mas o sistema ficou intocado, ou antes, parece que ficou fortalecido, irado, ensandecido e, à época, veio para cima de tudo que representava o pensamento vigente com uma fúria nunca vista antes. Era para acabar com quaisquer resquícios de utopia existentes naquelas cabeças sonhadoras.
As cortinas se fecharam e a luz foi proibida de iluminar as três décadas subsequentes.
Mas é importante lembrar que o ápice daquela década foi o ano de 1967.
O ano esquecido, mas o mais importante em termos políticos e culturais. Talvez ali estivesse o germe do que poderia ter sido um novo grande movimento humanista. O alvorecer de um novo mundo. Que 1968 não deixou acontecer. E que foi definitivamente enterrado em 1969, no Festival de Woodstock.
Apenas para registro, alguns dos fatos que marcaram 1967:
- no Festival da Canção de 1967 estavam “apenas”: Chico Buarque, Edu Lobo, Milton Nascimento, Sérgio Ricardo, Vinícius de Moraes, Jorge Ben, Raul Seixas, Elis Regina, Nara Leão, Sidney Miller, Marília Medalha, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Mutantes. Foi muita “alegria, alegria” e muita vaia;
- Guimarães Rosa lançou Tutaméia, foi empossado na Academia Brasileira de Letras, foi indicado para o Nobel e morreu;
- Gabriel Garcia Marques lançou 100 anos de solidão;
- Paulo Freire lança o livro Educação como prática da Liberdade;
- Chico Buarque escreveu Roda Vida, um dos marcos no combate à ditadura militar;
- foi encenada a peça O Rei da Vela, que se tornou manifesto do Movimento Cultural Tropicalista;
- Plínio Marcos estreia as peças Dois perdidos numa noite suja e Navalha na carne;
- surgiu o Cinema Marginal, com o filme A Margem, de Ozualdo Candeias;
- neste mesmo ano foram lançados Terra em Transe, do Glauber Rocha, O Caso dos Irmãos Naves, Belle de Jour;
- Che Guevara foi assassinado;
- foi realizado o primeiro transplante de coração;
- a Escola de Samba Salgueiro desfilou com o tema História da Liberdade no Brasil;
- foram lançados “apenas” os seguintes discos: Strange Days (do The Doors), Surrealistic Pillow (do Jefferson Airplane), Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (dos Beatles), The Piper at the Gates of Dawn (do Pink Floyd), Disraeli Gears (do Cream), Their Satanic Majesties Request (dos Rolling Stones) e Are You Experienced? (de Jimi Hendrix);
Isso é apenas uma pincelada do que consegui garimpar, mas dá para mostrar que 1967 foi o ano mais criativo e mais efervescente da década.
Concluindo, 1967 foi o ápice em termos de mudanças e de efervescência cultural, no Brasil e no mundo. 1968 foi, infelizmente, o ponto de inflexão, onde as idéias foram esmagadas pelas ditaduras e os sistemas repressivos, disfarçados ou não, advindos do neoliberalismo.
Creio que em 1967 pode estar a resposta para 1968, quando acordamos e o sonho acabou.
Fernando Gurgel Filho
Trailer - Uma Noite em 67
"Não eram apenas canções que estavam em jogo."
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