16 abril, 2010

Calça Jeans


por Nelson Cunha
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Não gosto de provar roupa, mas estou aqui provando jeans. Comprar roupa não é a minha praia, saio sempre com a sensação de que fui roubado ao comparar seu preço com a minha última aquisição eletrônica. Um saco para duas duas pernas, conhecido como calça, pode valer tanto quanto uma sofisticada câmera digital.
Pergunto ao gerente porque uma calça custa 59,99 e a outra 399,99 se ambas tem o mesmo tecido e acabamento.
- É o corte, diz com meia convicção.
Então, os fabricantes menores poderiam facilmente copiar o corte de uma roupa cara e reproduzi-la a milhão, respondo desafiador.
- É o tecido, retruca diante da minha lógica arrasadora.
Contesto dizendo que o brim “índigo blue” usado por todas confecções é fornecido por um único fabricante: a Santista Têxtil.
- Então, é o caimento, afasta-se exasperado.
Não insisti e deixei que o gerente aliviasse seu nervosismo com outros clientes menos irritantes.
Caimento é palavra retirada do dicionário das definições incertas. Recorremos a elas quando a ocasião obriga-nos a fazer afirmações vazias. Para não dizer nada, falamos que fulano é charmoso, sicrano é incrível e beltrano carismático. Não há bom “caimento” quando o corpo das pessoas é tão variado. Só seis por cento das mulheres estão dentro do padrão, ver site http://www.zafu.com/
2
Voltemos às calças e a seus preços extorsivos. Como é possível algo de elaboração tão primária custar mais do que um televisor? A resposta está na etiqueta, esta sim, contém quase todo o valor do produto. Se a calça custa 39,00, a etiqueta eleva-a ao pedestal dos 379,00.
- Deixa-me ver como a calça ficou em você...
- Está mááá-ravilhoso!
- Você acha mesmo?
- É claro, meu bem, é Calvin! Você vai ááá-rrasar ! Está na promoção por 418,00 em 3 vezes sem juros. Aceitamos cartão e pré-datado.
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É certo, dirão os enfeitiçados por marcas, que as roupas caras tem melhor acabamento e o têm deveras, mas não justifica tal sobrepreço. Sejamos honestos: Não compramos roupas, e sim um lugar no pódio dos ricos. A virtude mais admirada nos dias que correm é ser endinheirado ou parecer sê-lo, e a etiqueta presta-se a isto. Esta é a resposta que me foi negada pelo gerente. A etiqueta de luxo é construída a peso de ouro. Contratam-se artistas para emprestarem suas pernas e bundas para divulgação da roupa. Ao comprá-la com sobrepreço, ajudamos esses artistas impostores a ostentarem suas vidas luxuosas o que valoriza ainda mais o produto.
Um ciclo pernicioso quase perfeito, não fosse a bem sucedida indústria da cópia que ao fazê-la perfeita e a preços irrisórios, põe limite a essa ganância e desmoraliza o luxo.
- Linda sua bolsa Louis Vuitton, é perfeita! Tenho uma igualzinha, comprei em Paris e você?
- Comprei no camelô por trinta reais e ainda veio com uma carteira Prada, uma caneta Mont Blanc e relógio Cartier. É mole?
- Ugh!
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Sou do tempo, e já sou tão velho assim, em que as etiquetas vinham escondidas dentro da roupa. Serviam para informar, de quê, por quem e de onde vinha o produto. Eu tinha uma calça apelidada de faroeste que servia ao campo e a trabalhos grosseiros. Não se usavam calças Faroeste no verdadeiro farwest americano. Tudo foi invenção da máquina de propaganda americana que vestia os atores dos bang-bangs com elas. O nome jeans é corruptela de Genoa ou Genova, cidade costeira italiana cujos marujos vestiam brim azul.
A bainha podia ser dobrada para fora, mostrando o azul mais claro do verso. Parecia um casquete para o pé. Uma roupa de homens na época em que as mulheres ainda vestiam saias.
Hoje, para se destacar na multidão usando as calças que todos usam, é preciso recorrer ao artifício de rasgá-las, esgarçá-las e desbotá-las para dar-lhes personalidade de coisa experimentada, algo com currículo e história. Segue a lógica contraditória desses dias quando a própria usuária da envelhecida calça, esconde com plásticas, cremes e tintas, os efeitos em si dos anos finados. Apresenta-se como coisa nova em calça velha.
As calças justas das mulheres servem também para diversão dos homens. Consertam as carnes flácidas e redundantes, modelam protuberâncias e delineiam sulcos para acenderem a imaginação erótica dos machos e a inveja das fêmeas. Não reclamo, apenas constato e acho certo vesti-las, desde que não sejam as mulheres aqui de casa. Não procurem coerência na moda, política, religião e pais ciumentos.
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Quando essas “justíssimas” passam, imaginamos como fazem para vesti-las. A essa pergunta, minha mulher tem resposta:
- É o milagre de Santa Lycra.
A calça de lycra é a nudez vestida. Mostra em pé o que queremos ver deitada e despida. Há calças femininas cortadas para conduzir os olhares à fronteira do imoral. Ameaçam mostrar e não mostram, apenas sugerem que há uma fortuna escondida debaixo daquele paninho. O movimento e os gestos de quem as usa podem revelar, por segundos, um cofrinho aqui ou um pelinho escapulido que açula o olhar do homem babão. É o prazer compartilhado dos machos. Furor honesto e justo como os jeans minimamente cortados.
Esses jeans atendem igualmente à luxúria de quem olha e ao ego de quem é desejada. As despidas com essas calças desfrutam do desejo alheio, requebram, atiçam e lançam olhares aquecidos à volta de si para incendiar o ambiente. Belas e modernas aranhas divertem-se com os olhares capturados pela sua teia de algodão azul. Calças que arrebatam, a justa fronteira entre o decente e o arrepio.
Entendam que não me oponho a elas, ao contrário, reconheço suas vantagens de roupas práticas, resistentes, imunes ao amarrotado. De quebra, escondem a sujeira como o tapete de preguiçosa madame. Há quem as use semanas a fio até ficarem duras e de pé sozinhas. Viram o endereço dos usuários posto que moram dentro delas. Quando se esgarçam e desbotam viram moda. Algum rasgão eventual é sempre bem-vindo porque com um talho a mais viram bermudas. Um bordado devolve-lhes a vida e originalidade.
As mulheres com essas calças são espertas, sabem que os homens se casam com as carnes bem delineadas que um dia vão minguar. Elas, ao contrário, se casam com o nosso bolso que um dia engordará.
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Com jeans, uma camiseta sem estampa e um par de tênis estou pronto para uma solenidade de casamento, basta acrescentar um blazer para receber os incorretos elogios:
- Você viu o Nelson no casamento?
- Eu vi menina, estava com tênis e jeans. Estava dééé-mais, espojado, moderno e que atitude!
Traduzido para linguagem honesta:
É lastimável deselegância usar jeans em ocasiões solenes.




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