A vida de Kepler é um testemunho de como a ciência faz pela realidade o experimento mental de Plutarco conhecido como "o navio de Teseu" faz para o eu.
Na alegoria grega antiga, Teseu - o rei fundador de Atenas - navegou triunfantemente de volta à grande cidade depois de matar o mítico Minotauro em Creta. Por mil anos, seu navio foi mantido no porto de Atenas como um troféu vivo e foi navegado anualmente para Creta para reencenar a viagem vitoriosa. Quando o tempo começou a corroer a embarcação, seus componentes foram substituídos um por um - novas pranchas, remos, velas - até que nenhuma peça original permanecesse. Plutarco pergunta então que era o mesmo navio? Não existe um eu estático e sólido. Ao longo da vida, nossos hábitos, crenças e ideias evoluem além do reconhecimento. Nossos ambientes físicos e sociais mudam. Quase todas as nossas células são substituídas. No entanto, permanecemos, para nós mesmos, "quem" "nós" "somos".
Assim, com a ciência: pouco a pouco, as descobertas reconfiguram nossa compreensão da realidade. Essa realidade nos é revelada apenas em fragmentos. Quanto mais fragmentos percebemos e analisamos, mais realista é o mosaico que fazemos deles. Mas ainda é um mosaico, uma representação - imperfeita e incompleta, por mais bela que seja, e sujeita a uma transfiguração interminável. Três séculos depois de Kepler, Lord Kelvin subiu ao pódio na Associação Britânica de Ciências, em 1900, e declarou: "Não há nada novo a ser descoberto na física agora. Tudo o que resta é uma medição cada vez mais precisa". No mesmo momento, em Zurique, o jovem Albert Einstein está incubando as idéias que convergiriam para sua concepção revolucionária de espaço-tempo, transfigurando irreversivelmente nossa compreensão elementar da realidade.
Extraído do ensaio How Kepler Invented Science Fiction and Defended His Mother in a Witchcraft Trial While Revolutionizing Our Understanding of the Universe, de Maria Popova. Brain Pickings
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