24 julho, 2014

Como pensa a elite brasileira

EntreMentes reproduz este artigo (copyleft) de Antonio Lassance, publicado em 22/07/2014 no Carta Maior:
A elite brasileira é engraçada. Gosta de ser elite, de mostrar que é elite, de viver como elite, mas detesta ser chamada de elite, principalmente quando associada a alguma mazela social. Afinal, mazela social, para a elite, é coisa de pobre.
A elite gosta de criticar e xingar tudo e todos. Chama isso de liberdade de expressão. Mas não gosta de ser criticada. Aí vira perseguição.
Quando a elite esculhamba o país, é porque ela é moderna e quer o melhor para todos nós. Quando alguém esculhamba a elite, é porque quer nos transformar em uma Cuba, ou numa Venezuela, dois países que a elite conhece muito bem, embora não saiba exatamente onde ficam.
Ideia de elite é chamada de opinião. Ideia contra a elite é chamada de ideologia.
A elite usa roupas, carros e relógios caros. Tem jatinho e helicóptero. Tem aeroporto particular, às vezes, pago com dinheiro público – para economizar um pouquinho, pois a vida não anda fácil para ninguém. 14 "MI" PRO AEROPORTO DO TITIO
A elite gosta de mostrar que tem classe e que os outros são sem classe.
Mas, quando alguém reclama da elite por ser esnobe, preconceituosa e excludente, é acusado de incitar a luta de classes.
Elite mora em bairro chique, limpinho e cheiroso, mas gosta de acusar os outros de quererem dividir o país entre ricos e pobres.
O negócio da elite não é dividir, é multiplicar.
A elite é magnânima. Até dá aulas de como ter classe. Diz que, para ser da elite, tem que pensar como elite.
Tem gente que acredita. Não sabe que o principal atributo da elite é o dinheiro. O resto é detalhe.
A elite reclama dos impostos, mesmo dos que ela não paga. Seu jatinho, seu helicóptero, seu iate e seu jet ski não pagam IPVA, mesmo sendo veículos automotores.
Mas a elite, em homenagem aos mais pobres e à classe média, que pagam muito mais imposto do que ela, mantém um grande painel luminoso, o impostômetro, em várias cidades do país.
A elite diz que é contra a corrupção, mas é ela quem financia a campanha do corrupto.
Quando dá problema, finge que não tem nada a ver com a coisa e reclama que “ninguém” vai para a cadeia. “Ninguém” é o apelido que a elite usa para designar o pessoal que lota as cadeias.
A elite não gosta do Bolsa Família, pois não é feita pela Louis Vuitton. MAS GOSTA DO BOLSA TITIA
A elite diz que conceder benefícios aos mais pobres não é direito, é esmola, uma coisa que deixa as pessoas preguiçosas, vagabundas.
Como num passe de mágica, quando a elite recebe recursos governamentais ou isenções fiscais, a esmola se transforma em incentivo produtivo para o Brasil crescer.
A elite gosta de levar vantagem em tudo. Chama isso de visão. Quando não é da elite, levar vantagem é Lei de Gérson ou jeitinho.
Pagar salário de servidor público e os custos da escola e do hospital é gasto público. Pagar muito mais em juros altos ao sistema financeiro é “responsabilidade fiscal”.
Quando um governo mexe no cálculo do dinheiro que é reservado a pagar juros, é acusado de ser leniente com as contas públicas e de fazer “contabilidade criativa”.
Quando o governo da elite, décadas atrás, decidiu fazer contabilidade criativa, gastando menos com educação e saúde do que a Constituição determinava, deram a isso o pomposo nome de “Desvinculação das Receitas da União” - inventaram até uma sigla (DRU), para ficar mais nebuloso e mais chique.
A elite bebe água mineral Perrier. Os sem classe se viram bebendo água do volume morto do Cantareira. ATUALIZAR PARA: ÁGUA DO VOLUME MORTO DO ALTO TIETÊ
A elite gosta de passear e do direito de ir e vir, mas acha que rolezinho no seu shopping particular é problema grave de segurança pública.
A elite comprou o livro de um francês, um tal Piketty, intitulado “O Capital no Século 21″ (SINOPSE). Não gostou. Achou que era só sobre dinheiro, até descobrir que o principal assunto era a desigualdade.
A pior parte do livro é aquela que mostra que as 85 pessoas mais ricas do mundo controlam uma riqueza equivalente à da metade da população mundial. Ou seja, 85 bacanas têm o dinheiro que 3,5 bilhões de pessoas precisariam desembolsar para conseguir juntar.
A elite não gostou da brincadeira de que essas 85 pessoas mais ricas do mundo caberiam em um daqueles ônibus londrinos de dois andares.
Discordou peremptoriamente e por uma razão muito simples: elite não anda de ônibus, nem se for no andar de cima.

2 comentários:

Fernando Gurgel disse...

Dr. Paulo, creio que coloquei um comentário no lugar errado. Era para este texto sobre nossas elites. Favor corrigir. Abraço.

Paulo Gurgel disse...

Comentando sobre nossa elite ilustrada e culta, Fernando Gurgel enviou o texto abaixo:
Eles adoram a educação japonesa, mas não perdem a oportunidade de jogar lixo nas ruas, de destruir o patrimônio público e de fazer baixarias.
A honestidade portuguesa recebe nota mil, mas, e aquele jeitinho de garoto schisspeerto, onde fica? Como se dar bem sem trapacear ou passar a perna em alguém?
A pontualidade britânica é sempre destaque, desde que não os obriguem a chegar na hora marcada.
A ensino pública finlandês é um sonho de todos, mas é melhor que seja apenas para quem pode pagar, não é?
A eficiência alemã é um modelo para todos, mas para tudo funcionar corretamente tem que cumprir compromissos?
Nada como o ar de liberdade que se respira na holanda, então vamos fazer baderna, quebrar tudo e pedir a volta da ditadura.
Dirigir nos Estados Unidos ou na Europa parece um sonho. "Ô pessoal organizado e obediente à sinalização!!!", exclamam. Precisa dizer algo a respeito????
A lista de atitudes dignas de elogios é interminável, pena que o outro nunca seja eu.
Se adivinharem a quem estamos nos referindo, ganha o direito de torcer para que seus compatriotas se convençam de que fazer o que é pior para todos vai apenas piorar a sua própria vida.
Fernando Gurgel Filho
N.B.
Transferida dos comentários de "Ariano Suassuna, o homem da esperança" para os comentários desta postagem.