por Fernando Brito, Tijolaço
Eu não sou, na essência humana, em nada diferente de um finlandês, de um birmanês, de um sudanês ou de um japonês.Mas sou, culturalmente, diferente de todos eles.
É que padeço do "mal" de ser brasileiro, um prato que tem mais ingredientes que qualquer receita que eu conheça, cozido e frito ao calor dos trópicos, numa panela quase continental, onde cabe quase tudo e quase nada é demais.
Em algum ponto da minha história há uma taba, um açoite nas costas e um chicote na mão, um veludo e uma tanga, um nativo e um imigrante, todos eles a se misturarem e a me ensinarem a tolerância.
E ela, embora traga prejuízos, os traz menores, porque a nós mesmos, mais que aos outros.
Sou mestiço, ainda bem, cheio de coisas boas e ruins, que se confundem, como o leite do leiteiro de Drummond, numa nova cor, à qual chamamos aurora.
Ainda bem que não sou puro, porque a pureza é irmã da intolerância e da pretensão: o fundamentalista, o "imitador de Cristo", o hipócrita, o lacerdista, o talibã, o ariano, a raça (física ou moral) eleita para dominar e subjugar.
Assim, posso ser um branco azedo ou um crioulo retinto e ser a mesma coisa. Uma vez, aliás, a pesquisadora do Censo, eu vi, marcou branco como minha cor e se desconcertou quando lhe perguntei se, caso ela lavasse seus lençóis e eles ficassem da minha cor, continuaria usando o mesmo sabão.
Mas há uma coisa que em quase nenhum povo no mundo pode ser igual a mim, igual a nós.
É que estou construindo um país, enquanto os outros, quase todos, ou já o têm pronto, ou talvez nunca o tenham, porque a globalização – tecnológica, cultural ou, sobretudo, econômica – os pegou verdes demais para resistir a esta máquina de moer culturas.
Não se iludam, este triturador anda aqui também.
Mas já encontra a gente meio endurecido e, no liquidificador cultural, nos sobram pedaços "imoíveis".
O Sete de Setembro não é um chilique de D. Pedro, amofinado pelas ordens que lhe vinham da corte lisboeta – da qual aliás, veio a ser a majestade, Pedro IV .
É uma história que vem de longe, lá dos Guararapes, onde a conveniência portuguesa permitiu que se fundasse a ideia de que, se somos índios, negros e brancos para morrer, também o podemos ser para viver.
Algo que séculos depois continua sendo decidido, um mês depois da festa – que festa? ninguém comemorou! – da Independência.
Eu não quero ser igual a eles, quero ser igual a nós.
Não quero colonizá-los, como fizeram a nós, nem saquear-lhes as riquezas, como fizeram às nossas.
Quero trazer deles, do mundo inteiro, e quanto puder, o melhor da humanidade, o imaterial: a arte, a música, os livros, a ciência, a filosofia e o reconhecimento de que sou tão humano quanto um finlandês, um birmanês, um sudanês ou um japonês.
E também não quero ser seu jardim, sua horta, seu pomar, sua floresta.
Sou de um país que pretende, apenas, levantar-se de sua genuflexão secular e dizer apenas: sou o Brasil, sou eu mesmo, sim senhor.
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