22 janeiro, 2022

Texto para Elza

por Chico Buarque de Hollanda

Se acaso você chegasse a um bairro residencial de Roma e desse com uma pelada de meninos brasileiros no meio da rua, não teria dúvida: ali morava Elza Soares com Garrincha, mais penca de filhos e afilhados trazidos do Rio em 1969.

Aplaudida de pé no Teatro Sistina, dias mais tarde Elza alugou apartamento na cidade e foi ficando, ficando e ficando. Se acaso você chegasse ao Teatro Record em 68 e fosse apresentado a Elza, ficaria mudo. E ficaria besta quando ela soltasse gargalhada e cantasse: "Elza desatinou, viu".

Se acaso você chegasse a Londres em 1999 e visse Elza Soares entrar no Royal Albert Hall em cadeira de rodas, não acreditaria que ela pudesse subir ao palco. Subiu e sambou "de maillot apertadíssimo e semi-transparente", nas palavras de um jornalista português.

Se acaso você chegasse ao Canecão em 2002 e visse Elza Soares cantar que a carne mais barata do mercado é a carne negra, ficaria arrepiado. Tanto quanto anos antes, ao ouvi-la em "Língua" com Caetano.

Se acaso você chegasse a uma estação de metrô em Paris e ouvisse alguém às suas costas cantar Elza desatinou, pensaria que estava sonhando. Mas era Elza Soares nos anos 80, apresentando seu jovem manager e os novos olhos cor de esmeralda.

Se acaso você chegasse a 1959 e ouvisse no rádio aquela voz cantando "Se acaso você chegasse", saberia que nunca houve nem haverá no mundo uma mulher como Elza Soares.

Thread por Hildegard Angel

Em 20 de junho de 1964, o DOPS invadiu a casa de Elza Soares e Garrincha. Elza era amiga de JK e havia estado com João Goulart no Comício da Central e na sede do Automóvel Clube. Garrincha estava com Elza para o que desse e viesse. 

O mainá tem seu pescoço torcido.
Garrincha observa o gesto e chora.
O último a sair agarra Mané e afirma:
"Se abrir o bico vai ficar que nem esse passarinho!"

A família fugiu para a Itália, onde ficaram amigos de Chico Buarque e Marieta Severo.

In: "O dia em que a ditadura matou Mané Garrincha", por Roberto Vieira

REST IN POWER, ELZA.

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