26 junho, 2009

A proposta do Dr. Carta Pácio

Todos os dias recebo cartas de pessoas que me escrevem com os mais diversos pretextos. Leio-as e depois as destruo em meu moedor de carne que já conheceu tempos de abastança. Entretanto, guardei uma das que chegaram nos últimos tempos por sua singularidade:
"Prezado senhor:
O que proponho nessas linhas vem a ser uma verdadeira revolução na literatura universal. Porque estou certo de que toda obra literária, mesmo no fastígio da glória, ela tão-somente aspira à simplicidade da anedota. E não estou a falar apenas da que se filia ao gênero picaresco, cujo anseio parece óbvio. Constato que todo obra literária deseja é se resolver logo, através do discurso direto, curto e objetivo. Ao invés de devanear por aí porque o autor assim estabeleceu. Ainda mais que os tempos de hoje (em que a pressa é a tônica) estão a exigir um enredo sem volteios, onde o leitor chegue asinha ao final. E possa depois dizer que leu o livro tal... (ai!) num tapa.
Para começo de conversa, acolhendo o que proponho o escritor ganharia tempo. Ao escrever romance, novela ou conto bastar-lhe-ia compor início e final. Nada de meio! Esse enchimento de linguiça em que o escritor supostamente põe o talento. E para que essa coisa execrável separando o escritor do escrevedor? Só serve para discriminar, criar párias na arte literária. Portanto, abaixo o talento que sabe a prolixidade.
E viva a sinopse! Uma comissão de lacônicos poderia muito bem reescrever os clássicos. Eis como ficaria, por exemplo, o "Dom Quixote de la Mancha": Era um vez um fidalgo idealista que, com a mente excitada pelas façanhas dos herois dos livros de cavalaria, se dispõe a correr mundo para desfazer erros e vingar agravos. Alto, magro, beirando os cinquent'anos, para fazer com que a Mancha, sua terra natal, também participasse da glória que iria adquirir, adota o altissonante nome de Dom Quixote de la Mancha. Em suas aventuras, acompanha-o o gordo Sancho, seu fiel escudeiro, a quem o fidalgo prometera a posse de bens materiais que resultassem de suas andanças. Mas dão os dois com o cavalo e o burro na água, respectivamente. E a história termina com Dom Quixote recuperando a razão, em seu leito de morte, e com Sancho pouco recompensado por tão morosa empreitada.


Leia a exposição completa do Dr. Carta Pácio no Preblog.

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