Ao mencionar meu pai (postagem de 17/05), devo-lhe um agradecimento duplo: pela gentileza e pela lembrança de desencavar um texto que fiz há tempos. Mando pra você uma cópia que se aplica a todos que tiverem a sorte de ter um pai maravilhoso.
Nelson Cunha
Escuto minha mãe dizendo:
- Cunha ! Põe este menino no chão, está fingindo dormir para ser carregado.
Ele, fingindo acreditar, resistia, e ofegante subia as ladeiras desfrutando daqueles momentos tão íntimos: um filho melosamente abraçado ao pai. Em casa retirava-me os sapatos, ajeitava-me o cobertor e abaixando-se dizia-me no ouvido:
- Sei que estás acordado.
E, em seguida, o beijo de boa noite.
O menino endiabrado às vezes esgotava sua paciência e levava boas chineladas, que começavam fortes e terminavam leves e arrependidas, quase carícias. O estalo do chinelo ia se calando diante do bater surdo do coração sensível do pai amoroso. Entristecia-se. Procurava os cantos e punha-se a me fitar de longe. São esses singelos e mágicos momentos que fazem a vida valer a pena.
Certa vez, foi do Ceará ao Rio de Janeiro por terra, quando eram de terra as estradas do Brasil. Queria assistir a formatura do filho de seu irmão Meton, a quem devia o apoio que tivera na adolescência. Fora internado às custas do seu irmão no Colégio Batista de Cachoeiro de Itapemirim-ES. Para ele, um telegrama só era pouco para demonstrar que não há distância que separe o homem honrado da sua dívida.
Uma montanha de afeto e gratidão.
Sempre apaixonado pelos irmãos e sobrinhos. Nos últimos tempos, com a aposentadoria, vivia para os Cunhas sob o olhar já menos enciumado de Lindaura conformada de que aquele homem tinha uma missão terrena a cumprir. Mostrar que este mundo tem lugar para a bondade.
No Golpe militar de 1964 foi chamado para ser o interventor em Crateús-CE onde serviu ao Exército. Recusou! Depois o ouvi dizendo:
- Lá fiz grandes amigos e não queria perdê-los.
Ele, fingindo acreditar, resistia, e ofegante subia as ladeiras desfrutando daqueles momentos tão íntimos: um filho melosamente abraçado ao pai. Em casa retirava-me os sapatos, ajeitava-me o cobertor e abaixando-se dizia-me no ouvido:
- Sei que estás acordado.
E, em seguida, o beijo de boa noite.
O menino endiabrado às vezes esgotava sua paciência e levava boas chineladas, que começavam fortes e terminavam leves e arrependidas, quase carícias. O estalo do chinelo ia se calando diante do bater surdo do coração sensível do pai amoroso. Entristecia-se. Procurava os cantos e punha-se a me fitar de longe. São esses singelos e mágicos momentos que fazem a vida valer a pena.
Certa vez, foi do Ceará ao Rio de Janeiro por terra, quando eram de terra as estradas do Brasil. Queria assistir a formatura do filho de seu irmão Meton, a quem devia o apoio que tivera na adolescência. Fora internado às custas do seu irmão no Colégio Batista de Cachoeiro de Itapemirim-ES. Para ele, um telegrama só era pouco para demonstrar que não há distância que separe o homem honrado da sua dívida.
Uma montanha de afeto e gratidão.
Sempre apaixonado pelos irmãos e sobrinhos. Nos últimos tempos, com a aposentadoria, vivia para os Cunhas sob o olhar já menos enciumado de Lindaura conformada de que aquele homem tinha uma missão terrena a cumprir. Mostrar que este mundo tem lugar para a bondade.
No Golpe militar de 1964 foi chamado para ser o interventor em Crateús-CE onde serviu ao Exército. Recusou! Depois o ouvi dizendo:
- Lá fiz grandes amigos e não queria perdê-los.
Sabia que o poder político quase sempre substitui as amizades. Troca-se ouro velho por latão novo.
Ninguém lhe resistia. O bom humor era seu visgo. No quartel, o militar mais querido e respeitado. Era seguido como se andasse armado de bolinhas de pão. Os soldados passarinhos lotavam a sua ante-sala.
Parecia um confessionário e ele um Francisco.
Os seus últimos momentos foram angustiados: recostado no alpendre lá de casa, desfalecendo-se, faltava-lhe o ar expulso dos pulmões já inundados de sangue. O seu olhar pedinte dizia para minha mãe:
- Quero ficar um pouco mais nesta festa, não me deixe ir embora.
Mamãe apenas lhe estendeu a mão e esperou o inicio daquela que seria a única segunda vida de todos. A memória.
Esses Franciscos, pais de venturosos filhos, vivem dentro dos que os amaram em vida. Cinco anos passados, a sua lembrança me comove e choro.
Esse é meu pai, um anjo, Francisco."
Ninguém lhe resistia. O bom humor era seu visgo. No quartel, o militar mais querido e respeitado. Era seguido como se andasse armado de bolinhas de pão. Os soldados passarinhos lotavam a sua ante-sala.
Parecia um confessionário e ele um Francisco.
Os seus últimos momentos foram angustiados: recostado no alpendre lá de casa, desfalecendo-se, faltava-lhe o ar expulso dos pulmões já inundados de sangue. O seu olhar pedinte dizia para minha mãe:
- Quero ficar um pouco mais nesta festa, não me deixe ir embora.
Mamãe apenas lhe estendeu a mão e esperou o inicio daquela que seria a única segunda vida de todos. A memória.
Esses Franciscos, pais de venturosos filhos, vivem dentro dos que os amaram em vida. Cinco anos passados, a sua lembrança me comove e choro.
Esse é meu pai, um anjo, Francisco."
Nelson,
Também tive a sorte. Com outro anjo, Luiz.
Um abraço em você, filho de Francisco.
Paulo Gurgel
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