Crônica escrita em 1991 (também publicada no Preblog)
Não digo inseparável que é exagero, mas uma assídua companheira tem sido nos últimos anos a minha máquina de escrever. Pondo as palavras no papel, já tem conferido existência a contos, crônicas, clecs e poemas que, de outro modo, não fora ela, acabariam por certo caindo na vala do esquecimento. E, por isso, sou-lhe grato. Externando essa gratidão, via certas decisões inequívocas: não levar trabalho (literário) para o trabalho, não deixar a gravata enganchar no rolo da máquina, não aderir ao computador com impressora etc.
O fato é que comigo se passa o seguinte. Achar que um texto recém-concluído, desvirginando a brancura do papel, por si já se constitui um antegozo. Sim, porque o gozo propriamente dito dar-se-á apenas por ocasião da publicação. Ah, que bom se houvesse nesses casos a ejaculação precoce... Não ficando o autor à espera de uma publicação que tarda e, às vezes, nem sequer acontece.
Eis no que divirjo da poeta norte-americana Emily Dickinson: a publicação é parte necessária do destino de um escritor.
Mas, falando ainda da companheira, ela não é de ter muitas exigências. Quando apresenta algum defeito, disso se encarrega o especialista. No dia seguinte, lá estou eu com a máquina como se nada houvesse acontecido. Todo irrequieto, debruçado sobre ela, a escrever mil caracteres por hora. Esperem aí: mil é muito? é pouco? Não faço a menor idéia do que representa essa vazão datilográfica. Oscar Wilde se deu por satisfeito porque, ao longo de uma manhã, escreveu uma vírgula e, à tarde, a desescreveu.
Bem, nesse meu afã, somente uma coisa poderá me interromper. Haver chegado a hora de trocar a fita.
Meu Deus, como detesto o servicinho sujo! E fico a adiar o momento em que vou fazê-lo, mesmo sabendo que é apenas uma questão de tempo. Bater forte nas teclas ajuda um pouco, até certo ponto. Mas... quando a gente vai, descobre que tem de teclar duas, três vezes cada letra para que ela saia no papel, aí não dá mais. É fazer hoje o que devia ter sido feito ontem, anteontem... Meio parecido, aliás, com o que também acontece a meu violão. Apenas quando a pátina (gostaram?) já recobre as suas cordas, abafando-lhe o som, é que encordoamento novo ele recebe.
Máquina de escrever com fita nova está tudo resolvido. Não, não está. Por vezes, a fita substituta é tão ruim de tinta, que tudo continua como dantes. Com as letras sendo "anemicamente" impressas no papel, para desespero de quem, depois de tanta relutância, é que se abalançado havia a substituir a fita. Até que, consumidor logrado, sabem qual foi uma vez a minha reação? Escrever no ato um candente protesto ao fabricante - e com a fita de carregação ainda na máquina, esse o meu azar!... Porque o fabricante, obviamente, deve ter recebido a minha carta de reclamação... em branco.
E ficou o escrito pelo não escrito (PGCS).
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