24 dezembro, 2015

Dez lições e a questão da beleza

Dez lições
Após ataque de antipetistas, veja as lições que todos nós aprendemos com o cara de olhos cor de ardósia.
Fabrício Alcântara, UOL Música

1. Ame seu inimigo
2. Escreva indiretas de forma direta
3. Seja mais que um rosto bonito, mas aproveite o que Deus lhe deu
4. Você não precisa cantar bem, nem gostar de palco para ser idolatrado e levar multidões aos shows. Isso é carisma
5. Envelheça fazendo canções maneiras do século 20
6. Faça uma ode à malandragem
7. Seja uma mulher
8. Use a ideia da construção como metáfora e prática
9. Seja a voz de uma geração
10. Inspire-se nas crianças

Por fim, a questão da beleza
Lula Branco Martins e Andrea Thompson, para o Jornal do Brasil (junho de 2004)
Com a palavra, os especialistas no assunto:
Os olhos. Esta é a magia que pode estar por trás da decantada boniteza de Chico Buarque. O JB ouviu especialistas neste assunto - beleza - e a conclusão mais comum é que tudo começa no olhar. O maestro Tom Jobim o definia assim: ''Chico tem olhos de gatão selvagem, dos grandes gatos do mato, olhos glaucos, iluminados''. O diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, no programa da peça Roda viva, comparava os olhos do parceiro de montagem a ''dois ovos estrelados, sobre um bife de fígado cru''. Seja lá o que for, isso deve ser uma coisa positiva.
Existe certa confusão no que diz respeito a cor dos olhos do artista. Em algumas fotos, eles parecem verdes. Noutras, azuis. Noutras, muito azuis - em algumas revistas, fica patente o cuidado especial para o tratamento fotográfico e a reforçada na cor. Na ficha que a polícia elaborou quando Chico, na adolescência, puxou um automóvel, está escrito que seus olhos têm cor de ardósia, a pedra tão usada em decoração de ambientes.
O cirurgião plástico Carlos Fernando Gomes de Almeida observa que os olhos claros de Chico são um ''atrativo a mais'' num país latino, como o Brasil. Mas diz que não é possível julgar-se a beleza física, pura e simplesmente: ''Cada pessoa é um pacote''. Para Carlos Fernando, Chico é um homem ''bonito, harmonicamente interessante e muito sensível''. Até mais que isso: seus olhos azuis e sua verve poética e aura romântica lhe garantiriam a adjetivação de ''quase um anjo sexual''. A dermatologista Paula Bellotti é taxativa na sua opinião. Chico Buarque é bonito porque tem ''cara de homem''.
O cirurgião plástico mais renomado do país, Ivo Pitanguy, também falou ao JB sobre a beleza de Chico Buarque. Na entrevista, o médico teve acesso a duas dúzias de fotos, retiradas do arquivo do jornal, retratando várias fases da vida do artista. O menino quase imberbe, cara de bom-moço, que cantava A banda e que na época tornou-se o genro mais desejado do país. O adulto politizado, com vasto bigode e pose de brigão, visual dos anos 70, época de uma bochecha saliente, entregando os quilinhos a mais. O homem maduro, que nos anos 80 e 90 voltou a se apresentar em público e fazer shows com mais freqüência. E o senhor que, agora, ainda esguio, vai chegando próximo da terceira idade.
Remexendo nas fotos, analisando rosto e condição corporal de Chico, Pitanguy conclui sem pestanejar: ''Ele está envelhecendo bem. Parece uma pessoa que está ok consigo mesma, em paz com a sua imagem''. Mas não crava na questão sobre a cor dos olhos. ''Não sei direito qual é. Ela pode variar de acordo com a luz. Mas é uma cor bonita, isso dá para garantir''.
Assim como Pitanguy, Carlos Fernando Gomes de Almeida e Paula Bellotti também puderam observar algumas fotos de Chico. O JB propôs um teste a eles. Teriam que organizá-las em ordem cronológica. Todos acertaram - com exceção de uma foto, que costuma pregar peças mesmo em quem está acostumado a lidar com expressões faciais. É justamente a fotografia que ilustra a capa do disco lançado em 1989, que tem como primeira faixa Morro Dois Irmãos. Ali, todos concordam, Chico parece ter algo em torno de 35 anos, e não 45 - como de fato tinha. A foto, feita num estúdio de gravação, é de autoria de Antônio Augusto Fontes. Semana passada, ele falou ao JB. Lembra ter usado luz natural, sem rebatedor e filme tipo tri-x, preto-e-branco. Fotografava com uma Pentax. ''A foto ficou boa porque Chico estava sossegado, relaxado'', arrisca Antônio Augusto. ''Acho que captei sua alma de criança'', completa, informando ainda que Chico escolheu justo ele para fotografá-lo durante os ensaios no estúdio porque Antônio Augusto é ''silencioso''. Assim, meio que ''desaparecia'' do ambiente, deixando todos mais à vontade. A mansidão do artista é mesmo fato notório. Pitanguy parece encerrar o debate com uma frase lapidar: ''Enquanto Chico não tiver rugas na alma, ele estará bem''.

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