por Fernando Gurgel Filho
Slavoj Zizek, no livro "Menos que Nada", cita Lacan na sua tese de que "o louco não é apenas o mendigo que pensa que é rei, mas também o rei que pensa que é rei".O mendigo, ao imaginar-se como rei, está apenas realizando uma fantasia, fugindo da sua realidade. O rei, ao imaginar-se como rei, está apenas desempenhando uma função, exercendo um papel simbólico na sociedade. Ou seja, é uma convenção criada pela própria sociedade para facilitar a vida nas comunidades humanas. Ao confundir esta função com o seu próprio ser, está fugindo da realidade e entrando no espaço do imaginário ou simbólico, ou seja, está deslizando a catraca.
Ora, no Universo cada ser é único, insubstituível, apesar de isto não querer dizer muita coisa ou absolutamente nada, no final das contas. A função - qualquer uma que seja, até a de rei, presidente, sultão, califa, xeique... - pode ser exercida por qualquer outra pessoa, desde que tenha os requisitos exigidos e as circunstâncias legais o permitam. Mesmo que isto contrarie Platão e os fascistas de plantão.
Para evitar que os outros mortais pudessem cobiçar o trono e desempenhar as mesmas funções, era comum os reis se auto proclamarem como portadores de um "direito divino" para governar. Isto tornava a função equivalente ao sujeito, diferenciando-a das funções exercidas pelos outros mortais. Assim mesmo, como acontece com os que se declaram ou se consideram "salvadores da pátria", "redentores da humanidade", "deuses" etc.
Isto porque todos esses confundem o que são verdadeiramente, como seres humanos, com a função que exercem ou que acreditam lhes caber por "direito divino", hereditariedade ou seja lá qual for a justificativa dada.
O ser, este amontoado maravilhoso de células que parecem saber exatamente a sua finalidade nos corpos que dão forma, incontestavelmente é parte do Universo. Se é parte harmônica, não temos como saber, mas sabemos que não sabemos - nem ao menos supomos - se temos alguma finalidade ou se damos forma a alguma outra parte, ou corpo, deste Universo. Dentro deste raciocínio, o ser não é nada ou, quando muito, alguma parte insignificante de algo como o Universo. Praticamente a mesma coisa que será no não-ser.
O que se perpetua não é o ser, são as consequências dos seus atos, obras, erros e acertos ou as imagens que os outros formaram do ser. Uma palavra, um sorriso, um gesto, mesmo durando alguns segundos, geram consequências para todo o sempre, até a eternidade. Mas isto não é o ser.
Ainda que sejam atos grandiosos, como criações artísticas ou intelectuais, como descobertas maravilhosas ou invenções inacreditáveis. Um nome, uma placa ou uma estátua vistosa em homenagem ao ser que as concebeu perpetua-lhe uma imagem saudosa ou agradecida. Mas isto também não é o ser.
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