Fernando Gurgel
"Mãe, no céu tem pão?"Quando li a frase acima pela primeira vez, citada em um poema de Soares Feitosa, em seu Jornal da Poesia (http://www.jornaldepoesia.jor.br/francisco.html), fiquei chocado e sempre que a leio me dá um nó no peito e fico muito revoltado contra este estado de coisas.
Pensei que era criação do poeta e fiquei imaginando o que ele poderia ter visto que levou-o a imaginar uma cena tão cruel como aquela. Infelizmente, a vida sempre supera a ficção e a frase saiu da boca de um ser humano. Uma criança nos estertores da morte por inanição e o fato pode ser comprovado facilmente através de pesquisa na internet.
Como exemplo, cito um relato da Vara da Infância e Juventude de Belo Horizonte que diz ser "do pequeno Anselmo, de apenas 4 anos de idade, da Favela de Pirambu, em Fortaleza, no Ceará, que delirando de febre, nos estertores da morte, com os olhos súplices, sussurrava: "Mãe, no céu tem pão?"
Pois é, são dos pequenos Anselmos espalhados por este triste solo e que morrem sonhando com aquilo que para nós são migalhas e que para eles é um sonho cada dia mais irrealizável.
Nem se compara aos nossos sonhos e fantasias do dia a dia. Sonhos que pensamos poder realizar através de nossa luta para possibilitar o tão sonhado pão para todos. E o nosso sonho para que isto aconteça é muito mais simples de se tornar realidade, pois depende apenas de homens com vergonha na cara e honestidade em todas as suas ações. Só isso.
Sempre achei, portanto, que apropriação de dinheiro ou utilização indevida de bens públicos deveriam ser equiparados a crimes hediondos, pois esta prática resulta nas mesmas consequências de atos cometidos por assassinos em série e, o que é pior, de forma lenta e cruel.
O dinheiro que falta, tirado do erário, é o mesmo que falta para evitar que milhares morram sem ter um pão seco. É o mesmo que falta para evitar mortes a rodo em filas de hospitais públicos. É o mesmo que falta para o saneamento básico de favelas imundas onde a doença está presente em cada residência insalubre.
Mas um País tão grande, governado por pessoas tão pequenas, tornou-se tão vulnerável quanto um castelo construído com peças de dominó onde a peça defeituosa abala todo o conjunto. E, neste caso, com o agravante de que o construtor reluta em jogar no lixo as peças que comprometem a estrutura.
Não sabemos quem são os bandidos que solapam nossas instituições. Porém, sabemos que são como um tiro certeiro no sonho dos que acreditaram que, afinal, as coisas poderiam mudar para melhor.
Não sabemos, também, o tamanho das irregularidades cometidas e onde acontecem/aconteceram, mas, pelos relatos - infelizmente, muito seletivos e pouco confiáveis - são atos desonestos e que comprometem a credibilidade de todo o sistema, impedindo que este País mude sua face tão desumana com tranquilidade.
Se este castelo desabar, muitos Anselmos ainda terão que sonhar, na hora da morte, com um céu cheio de pães enquanto seus pais ainda sofrerão muito até morrerem à míngua nesta terra cheia de cães.
Com a falta de credibilidade vigente e com as leis frouxas que temos, as poucas esperanças que temos, de vermos punições exemplares e isentas de cunho político, talvez não se concretizem. Porém, quando formos votar novamente, por maiores que sejam nossos interesses envolvidos, por favor, pensem apenas na frase do pequeno Anselmo para tentar banir os desonestos da vida pública.
E tenham sempre isto em mente: políticos e servidores públicos desonestos estão cometendo crime hediondo.
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