Era um desses albergues onde só vai dar o costado uma ou outra alma-perdida. Apesar disto, tomado de repentino e inesperado alento, Al-Cunha bateu na aldrava. E quem veio atendê-lo, após alongado tempo, foi o próprio dono da estalagem. Um albino de nome Al-Meida, o qual, aliás, se mostrou receoso em deixá-lo entrar. No máximo, o recém-chegado ficasse no alpendre e olhe lá. Mas, no que Al-Cunha lhe houvesse perguntado se tinha cara de aldravão, se aparentava ser algum escravo do álcool, se portava algum feio aleijão... "Alastrim" foi a resposta. Estava ocorrendo uma epidemia da doença na aldeia.
Ora, Al-Cunha atravessara terras alagadas, contornara despenhadeiros alcantilados, subira morros alcandorados, percorrera campos alcantifados... para agora estar ali, com o corpo alquebrado, a pedir o inadiável repouso... E o alojamento lhe era negado naquela... naquela aldeola. Sob o pretexto de que vigorava uma lei de quarentena assinada pelo alcaide - uma estúpida lei! Que não relaxava nem para o seu cavalo Al-Faras. Aí, para não aloprar, e mesmo porque as almorreimas já o incomodavam, ele continuou desapeado. E, na expectativa de que Alá interviesse em seu favor, até retirou o alforje da montaria.
Uma chuva começou a cair ensombrecendo o dia. E nada de se notar mudança no alvedrio do opinioso albergueiro - que inclusive gracejou: "A chuva... que há com a chuva? Do telhado ela cai no algeroz e vai se acumular na almácega, o que me garante por algum tempo água em abundância..." Ora, depois de receber tamanha alfinetada, a Al-Cunha só restava usar de uma aleivosia. Dizer a Al-Meida que era um mestre da aleuromancia (nome que os alfarrábios dão à arte de predizer por meio da farinha de trigo). Com esse tipo de charla, quem sabe, ele... Mas não chegou mesmo a ser preciso, entrou em cena Al-Merinda.
Publicado em 1990 no livro “Efeitos Colaterais”. O conto todo está no Preblog.
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