27 dezembro, 2009

O Duque que virou Barão

Teoricamente, os títulos de nobreza são conquistados nos campos de batalha, mas no Brasil costumavam ser comprados. Havia nobres que nunca combateram. Assim, Apparício Torelly inventou que havia se destacado na Batalha de Itararé, uma batalha entre gaúchos e paulistas que não houve em 1931. E, para fazer as fotos que comprovavam sua participação na luta, vestiu-se de um surrado uniforme da Guerra do Paraguai. A seguir, o nosso herói se autonomeou Duque de Itararé, fazendo publicar em seu jornal, A Manha, que esse título fazia justiça "a uma personalidade de excepcional valor que se distinguiu no campo de batalha".
Algum tempo depois, "como prova de modéstia", Apparício se auto-rebaixou para Barão de Itararé. Não dispensando, porém, "as periódicas injeções de azul de metileno que o faziam ficar com o sangue azul".
O Brasão do Barão
Apparício criou também um escudo heráldico para a Casa de Itararé. Eis a descrição deste símbolo segundo o próprio criador:
"Observe o leitor o detalhe do brasão, em filigranas e ornamentações clássicas. No meio da moldura, dominando o conjunto, em posição de quem perdeu a guerra ou procura alfinetes no chão, vê-se a efígie do ilustre fidalgo, vigiando a coleção de armas e iguarias que sustentam o escudo. À esquerda, no plano austral, salienta-se uma vaca sagrada, em atitude arbitrária, como quem resiste e protesta contra a possibilidade de ser loteada para o açougue e transformada em bifes de ouro. No lado direito da perna do sinistro Barão, vê-se, guardado por um punhal tibetano, um saco cheio do produto de honesta economia, advinda do troco de caixas de fósforos e passagens de bonde que deixou de pagar, fingindo distraído, quando passava o condutor. Descendo pela esquerda, aparece uma mão solta, que não tem nenhuma explicação e, a seguir, um cachorro vira-lata, com evidente intenção hidráulica de franco desacato aos símbolos da nobreza. No centro-esquerda, distingue-se a monografia "BI", usado nas cuecas e na roupa de cama do fidalgo, quando as tem. Logo abaixo, destaca-se um jumento franquista e um peixe grande, que não se sabe como conseguiram penetrar na moldura. À direita, distinguem-se vários objetos de ostensiva significação oculta: um cidadão de cartola, em pleno processo de desintegração atômica; um frango e uma garrafa, de destinos suspeitos, e, finalmente, um desconhecido, perto de um pescado, que tanto pode ser uma baleia engolindo o profeta Jonas, como o deputado Lameira Bittencourt, vomitando um pirarucu depois do almoço. A parte mais importante do escudo, porém, é o quadrante esotérico, com seus quatro extensos campos. No primeiro, parece um navio pirata que, se não for uma homenagem à terra de Churchill, só pode ser explicado à luz da psicanálise, como uma traição do subconsciente. No segundo, há um pé de meia, coroado de estrelas, formando falsos cruzeiros, que se vão escondendo no cofre de calcanhar reforçado. No terceiro, ostenta-se uma galinha morta, com uma bandeirola de livre trânsito dos comandos sanitários. No quarto campo, um alfanje muçulmano monta guarda a todo escudo. Por fim, no centro, encimada por uma boa estrela, exibe-se uma cesta de Natal, com frutas do país e salsichas de Viena, para recordar aos povos que nem só de pão vive o homem, como dizem as Sagradas Escrituras e é da escrita."

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