27 dezembro, 2025

A sabedoria do mangará

por Nelson José Cunha
O meu passeio é o quintal. Depois de tantos anos na cidade, vejo-me agora parado diante de uma bananeira, observando um cacho que acaba de se inclinar para o chão.
Olho minhas mãos, sujas e satisfeitas com os resíduos de terra roxa - a cor do mangará. Sei que ele já cumpriu sua missão e deve ser removido: a seiva precisa seguir apenas para as bananas que vingaram.
O que esconde essa criatura tão simples e bela?
A curiosidade me arrebata, e começo a exploração. O mangará tem camadas, como as cebolas. Uma capa, depois outra, e mais outra. Ao despir a planta, encontro logo abaixo da primeira capa uma penca de bananas pequenas e incompletas. Sigo adiante e descubro outras mais - bananinhas mal-nascidas, frágeis, todas aninhadas e protegidas.
Descubro então algo ainda mais admirável. 
Enquanto murcha, o mangará consome para si os nutrientes que iriam para essas promessas inviáveis. A bananeira parece saber, com uma sabedoria silenciosa, quantas bananas pode sustentar. Quando o terreno é fértil, ela solta mais pencas. Quando percebe que não terá condições de cuidar, interrompe e murcha.
Nada ali é desperdício, tampouco engano. O excesso é contido para que o essencial sobreviva.
Entre nós, homens, costuma ser diferente. Produzimos mais do que podemos sustentar, prometemos além do que somos capazes de cumprir, iniciamos obras que não terminam, geramos vidas, projetos e ruínas sem medir o custo de mantê-los. Desperdiçamos recursos, afetos e futuros - não por necessidade, mas por vaidade, pressa ou descuido.
Ali, encontro uma virtude que nós, tantas vezes, esquecemos. Até as bananinhas que jamais chegariam à mesa foram tratadas como filhas. Sabiam-se condenadas ao apodrecimento, mas nem por isso lhes foi negado abrigo, nem retirada a ternura. A natureza cuida até do que não dará certo - e, ainda assim, sabe quando parar.
Talvez seja por isso que o chamem também de coração da bananeira.
O homem da cidade viveu o bastante para reconhecer a nobreza escondida num simples mangará. Por esse encantamento tardio, só me resta agradecer.
A quem?

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