26 dezembro, 2025

Desabafo: a tecnologia concentra poder

Nos anos 90, parecia que a internet poderia ser uma exceção, que poderia ser uma força descentralizadora e democratizadora. Ninguém a controlava, ninguém a projetava, ela estava apenas se construindo de uma forma atraente e anárquica. As empresas que primeiro tentaram centralizar a internet, como a AOL e a Microsoft, falharam risivelmente. E o código aberto parecia pronto para matar qualquer dragão.
Mas esses dias acabaram. Centralizamos a internet ao máximo. Há um mecanismo de busca (além daquele que ninguém usa), uma rede social (além daquela que ninguém usa), um Twitter. Usamos uma rede de anúncios, um conjunto de ferramentas de análise. Para onde quer que você olhe online, uma ou duas gigantes americanas dominam completamente o setor.
E aí está a nuvem. Que nome brilhante! A nuvem é o futuro da computação online, uma abstração amigável e fofa à qual todos nós ascenderemos, envoltos em luz. Mas, na verdade, a nuvem é apenas um grande amontoado de servidores em algum lugar, propriedade de uma empresa americana (além das nuvens que ninguém usa).
Orwell imaginou um mundo com uma teletela em cada cômodo, sempre ligada, sempre conectada, sempre monitorada. Uma visão distópica do Xbox One.
Mas fizemos melhor. Quase todo mundo aqui carrega no bolso um dispositivo de rastreamento que sabe onde você está, com quem você fala, o que você olha, todos esses detalhes íntimos da sua vida, e os reporta meticulosamente a servidores privados onde os dados são armazenados para sempre.
Sei que pareço um fanático por conspirações ao colocar a questão dessa forma. Não estou dizendo que vivemos em um pesadelo orwelliano. Eu amo a Nova Zelândia! Mas nós temos a tecnologia.
Quando eu estava na escola primária, costumavam nos assustar com algo chamado registro permanente. Se você jogasse uma bolinha de cuspe em um amigo, ela entraria em seu registro permanente e o impediria de conseguir um bom emprego ou de se casar bem, até que, eventualmente, você morresse jovem e sem amigos, sendo enterrado do lado de fora do muro do cemitério.
Que alívio quando descobrimos que o registro permanente era uma ficção. Só que agora implementamos essa maldita coisa. Cada um de nós deixa um rastro indelével, como um cometa, pela internet, que não pode ser apagado e que nem sequer temos permissão para ver.
As coisas com as quais realmente nos importamos parecem desaparecer da Internet imediatamente, mas poste um comentário idiota no YouTube (agora vinculado à sua identidade real) e ele viverá para sempre.
E precisamos rastrear tudo isso, porque a base econômica da web atual é a publicidade, ou a promessa de publicidade futura. A única maneira de convencer os investidores a manter o fluxo de dinheiro é mantendo os registros mais detalhados possíveis, vinculados às identidades reais das pessoas. Com exceção de alguns pontos de anonimato, que não por acaso são as partes culturalmente mais vibrantes da internet, tudo é rastreado e precisa ser rastreado, ou o edifício ruirá.
O que me incomoda não é que criamos essa versão centralizada da Internet baseada em vigilância permanente.
O que me incomoda, o que realmente me irrita, é que fizemos isso porque era a coisa mais fácil de fazer. Não houve planejamento, previsão ou análise. Ninguém disse "ei, isso parece um mundo ótimo para se viver, vamos criá-lo". Aconteceu porque não nos importamos. Tornar as coisas efêmeras é difícil.
Distribuir as coisas é difícil.
Tornar as coisas anônimas é difícil.
Criar um modelo de negócio sensato é muito difícil. Fico cansado só de pensar nisso.
Então, vamos pegar os dados das pessoas, colocá-los em um servidor, vinculá-los a seus perfis do Facebook, mantê-los para sempre e, se não conseguirmos levantar outra rodada de financiamento de risco, simplesmente colocaremos anúncios do Google no site.
"Toca aqui, Chad!"
"Toca aqui, mano!"
Esse é o processo de design usado na construção da Internet de 2014.
E é claro que agora ficamos chocados — chocados! — quando, por exemplo, o governo ucraniano usa dados de torres de celular para enviar mensagens de texto assustadoras a manifestantes em Kiev, a fim de tentar mantê-los longe das ruas. Pessoas mal-intencionadas estão usando o sistema de vigilância global que construímos para fazer algo perverso! Puta merda! Quem poderia imaginar isso?
Ou quando descobrimos que o governo americano está lendo o e-mail que você envia sem criptografia para o serviço de e-mail com anúncios em outro país, onde ele fica arquivado para sempre. Inconcebível!
Não estou dizendo que esses abusos não sejam graves. Mas são o oposto de surpreendentes. As pessoas sempre abusarão do poder. Essa não é uma percepção nova. Há tábuas cuneiformes reclamando disso. No entanto, aqui estamos em 2014, assustados porque pessoas inescrupulosas começaram a usar as ferramentas poderosas que criamos para elas.
Dedicamos tanto cuidado para tornar a internet resiliente a falhas técnicas, mas não fazemos nenhum esforço para torná-la resiliente a falhas políticas. Tratamos a liberdade e o Estado de Direito como recursos naturais inesgotáveis, em vez dos tesouros frágeis e preciosos que são.
E agora, é claro, é hora de criar a Internet das Coisas, onde conectaremos tudo a todo o resto e criaremos aplicativos interessantes em cima disso, e nada poderá dar errado.

OUR COMRADE THE ELECTRON (NOSSO CAMARADA, O ELÉTRON) - 8.ª parte desta palestra, que Maciej Ceglowski proferiu em 14/02/2014, na Webstock, em Wellington, Nova Zelândia.
[http://idlewords.com/]

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