por Innocêncio Viégas
O livro, igual a muitos de nós, tem também duas datas a comemorar: no dia 23 de abril comemora-se o dia mundial do livro, para lembrar a data da morte de três grandes escritores: Dom Miguel de Cervantes Saavedra, William Shakespeare e Inca de La Vega.O dia nacional do livro no Brasil é 29 de outubro, em homenagem à fundação da Biblioteca Nacional Brasileira.
Respeitando essas memoráveis datas, para mim, o dia do livro é aquele em que entro na minha modesta biblioteca, escolho um livro já lido e relido, vou para a praça das flores, aqui mesmo no quintal do Rancho, sento-me no banco de pedra, embaixo dos frondosos galhos do abacateiro, e então passo à leitura, saboreando um bom vinho e ouvido o suave cantar de um velho sabiá, que construiu ali o seu ninho de amor.
Histórias de livros nos encantam. Comigo guardo várias e posso lhes contar algumas para a sua meditação e reflexão. Sei que o caro leitor deve ter também suas histórias.
Dia desses recebi um telefonema de um irmão e amigo, Professor Anoraldino. Ele, sendo um bom leitor, estava em um “sebo”, garimpando preciosidades. Encontrou um dos meus livros - “O homem além do homem”. Pedi a ele para ler a dedicatória. Era para um velho amigo de caserna que faleceu e a viúva vendeu seus livros. E o meu foi no embalo. Pedi ao Professor para comprar o livro que eu lhe daria um exemplar dos que ainda estavam comigo. Recuperei o meu livro e agora ele está na estante ao lado dos demais exemplares.
Certo dia, a menina Anne, colega da Tamara, a minha neta, encontrou um livro abandonado no banco do ônibus em que viajava. Pegou, leu o título - Contos, cantos e encantos - leu o nome do autor - Innocêncio Viégas - e logo lembrou do avô da Tamara e lhe entregou o livro que pela data da dedicatória, fora adquirido no dia do lançamento em 2001, em Brasília. Voltou para a estante de “perdidos e achados”.
No livro “A sombra do vento”, do escritor espanhol Carlos Ruiz Zafon, encontramos o seguinte diálogo: - Um cidadão leva o filho a um depósito de livros velhos, sem donos, um verdadeiro cemitério dos livros. O menino, admirado, pergunta ao pai quem são os donos desses livros, o que o pai lhe responde: - cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu e a alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos pelas suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece. O pai continua e arremata a conversa. Na verdade, os livros não têm donos. Cada livro que você vê aqui, foi o melhor amigo de alguma pessoa.
Em janeiro de 2018 a Internet nos mostrou o caso de um livro e um cachorro sem dono. Disse o texto: “Mesmo estando sempre pelas redondezas, o cão nunca havia entrado na livraria. Um belo dia, sorrateiramente entrou e abocanhou um dos livros da estante da frente da loja e o levou consigo. Ao vê-lo com um livro entre os dentes, um homem que passava o perseguiu e conseguiu recuperar o livro. Voltou à livraria e o devolveu, contando o que acontecera e, então, veio a surpresa. O livro em questão é da escritora italiana Elena Ferrante, com o título: ``Dias de abandono”.
As marcas dos dentes do animal ficaram na capa do livro, e o livreiro resolveu guardá-lo como uma lembrança de um pobre animal abandonado. Isso define bem como devem ter sido os dias desse pobre cão, vivendo nas ruas, sem o carinho de um dono. O livro permanece na loja, como lembrança de um caso inusitado. O homem que recuperou o livro certamente não ligou o título do volume com a triste vida de um cachorro sem dono, que achou no livro o cheiro de algo que pudesse ser comido para matar a sua fome.
O livreiro Pedro Herz, proprietário das livrarias “Cultura”, nos conta o seguinte caso: Dia do lançamento do livro do escritor Inácio de Loyola Brandão. O espaço cheio de amigos e leitores. A fila dava voltas entre as estantes. No final da fila, uma senhorinha de aproximadamente 80 anos, esperava a sua vez. O autor chamou o amigo Pedro e lhe pediu para trazer à mesa aquela leitora idosa, para evitar que ficasse tanto tempo de pé. O Pedro foi, e ao chamar a vovó, ela disse: - Obrigada, meu filho, eu já estive por três vezes lá perto do escritor e volto para o fim da fila, eu quero é conversar com velhos amigos que vez por outra aparecem aqui. Se eu for logo atendida, volto para casa e lá, não tenho com quem conversar. E continuou na fila, toda sorridente.
Deixei para relatar por último, um caso que considero muito especial. Dia 17 de maio de 2017. Lançamento de mais um livro - “Lira das Auras” - do poeta e escritor Fagundes de Oliveira.
O local não poderia ser melhor. Restaurante Carpe Diem. O salão, repleto de amigos que se acotovelavam nas mesas enquanto conversavam e degustavam as iguarias quentinhas que eram servidas, acompanhando a cerveja e outras águas que passarinho não bebe.
A fila para o autógrafo serpenteava no que sobrava de espaço entre as mesas. O autor, feliz, recebia abraços e os fotógrafos não paravam de registrar aquele momento único. Eu com a Bel ocupamos a mesa 10, com outros amigos, amigos também do Fagundes e da Heronisa, sua esposa.
Lá pelas tantas da noite, vi que a fila diminuía e fui posicionar-me para também receber no meu livro a tão esperada dedicatória, do Poeta do Amor, como ele é conhecido entre os vates.
Parei na sua frente, nos abraçamos, ele olhou fixo para mim e eu correspondi ao olhar de espanto do Poeta. Ele pegou a caneta e autografou o meu exemplar com as seguintes palavras: “Ao amigo Viégas, sem palavras”. Tornamos a nos abraçar e nos deixamos ser fotografados. Aquela, que aos olhos dos leigos parece ser uma pequena dedicatória, continha nessas cinco palavras, um mundo de poesia saída do coração e do baú de saudades e carinho de um grande irmão.
Bem disse o Poeta Mário Quintana: - “e eis que tendo Deus descansado no sétimo dia, os poetas continuaram a obra da criação”.
Os olhos de Fagundes estavam marejados, mas seu rosto expressava a beleza de um sorriso. Só aí pude entender o que ele escreveu na segunda aba desse livro - Lira das Auras - “Para conseguir na vida o paraíso / É ser capaz de transformar o pranto / na sublime grandeza de um sorriso”. Que viva para sempre “o dia do Livro” e o Poeta do Amor.
Innocêncio Viégas
Brasília - DF, 29/10/2021
(enviado por Fernando Gurgel)
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