20 junho, 2008

Arma quente - 2

"Não, John, a felicidade não é uma arma quente."

O facínora encostou o (ainda) frio cano do revólver em meu peito e disse:
- Sabia que vai morrer?!
Chamo-me Bernardo. O que, quando bem entendo, me dá o direito de cometer alguma bernardice.
- Vou, é? Quando?
- Agora mesmo. Não está vendo o "berro" aqui?! O Honorato me mandou...
- "Peraí"... O Honorato é meu amigo!
- Não morra iludido, cara. Ele me pagou - e bem - para que eu despachasse você.
- Quanto?
- Não está querendo dobrar a grana, está? A fim de trocar de lugar com ele...
- Não, o Honorato não vale o dobro de mim.
E não vale mesmo. Nos últimos tempos, minhas dívidas não estavam sendo pagas, outras tantas vinham sendo contraídas, e... sabem por quê? O Honorato.... ele, como avalista, não honrava essas dívidas.
Agora, eis que me mandava um celerado de funestas intenções. Com os olhos injetados de quem à noite não dormira, só para me tocaiar. E que estava ali a me ameaçar. Ou será que, para ficar ainda mais ameaçador, ele pingara nos olhos colírio de groselha? Bem, perguntar é que eu não ia, pois estava em plena defensiva. E cabia-me, até onde o auto-controle funcionasse, ser polido em toda a conversação.
- Ora, o Honorato não precisava...
- De quê, cara?
- Ser tão preocupado comigo. Empreste-me o revólver que eu sei morrer por minhas próprias forças...
- Espertinho.
- Ou por falta delas... de morte natural.
- Demora muito. E o que eu acertei com o Honorato foi morte matada.
Pensei numa opção para a sobrevivência que não ficasse apenas na argumentação. Alguém já me dissera que os meliantes costumam usar balas imprestáveis. Dificuldades em obtê-las de fontes idôneas e que, por conta disso, suas armas de fogo muitas vezes "quebram o catolé". Há inclusive toda uma estatística em favor de quem está prestes a ser vítima, desde que não esta não esqueça as palavras mágicas:
- Pernas para que vos quero!
Exatamente o que cumpri à risca. Enquanto o celerado, naquele afã de mostrar serviço, pôs-se a descarregar o revólver.
Com quatro tiros bem na mosca, isto é, em mim.
Alvejou-me no ventrículo esquerdo, na crossa da aorta, no tronco da coronária e, por último, no cabo do meu marca-passo cardíaco, desconectando-o.
Como vêem, nenhum dos tiros atingiu-me algo que fosse vital. De sorte que, se ele me matou, não fez o serviço bem feito.

P.S.: Caso o facínora venha a ser preso e, por um desses equívocos da Justiça, aconteça de ser condenado eu já deixo instrução a respeito. Com o meu advogado - que também se chama Bernardo - para imediatamente apelar.

Nenhum comentário: