13 abril, 2021

A prosopopeia das margens plácidas

O começo sempre vai bem: "Ouviram do Ipiranga...". E agora? É "as margens plácidas" ou "às margens plácidas"? Para cantar, não faz a menor diferença, já que "as" e "às" se emitem do mesmo modo.
Deixemos a cantoria para lá e fiquemos com a escrita, em que a opção por "as" ou "às" muda tudo. Volta e meia, algum vestibular tradicionalista pergunta qual é o sujeito da primeira oração da letra do hino. Quem supõe que a forma oficial seja "às" vota logo em "indeterminado".
Não há acento nesse "as". Não porque eu ache ou não queira que não exista. Não há porque não há, porque o texto oficial é "as margens", sem acento. O sujeito da primeira oração da letra do hino é "as margens plácidas do Ipiranga". 
"E margens ouvem?", perguntarão alguns. Ouvem, sim, caro leitor. Temos aí a figura da "prosopopeia", pela qual se dão atributos de seres animados a seres inanimados.
Bem, antes da prosopopeia, é preciso levar em conta que no hino há muitas orações cujos termos não estão dispostos na ordem direta. É esse o caso de "Ouviram do Ipiranga as margens plácidas/ De um povo heróico o brado retumbante", que, na ordem direta, passaria a "As margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heróico". Foram elas, as margens plácidas ("calmas", "serenas") do Ipiranga, que ouviram o brado ("clamor", "grito") retumbante ("estrondoso") de um povo heróico.
Se existisse o acento, a expressão "às margens plácidas" seria adjunto adverbial e, por isso, não iniciaria a ordem direta; encerrá-la-ia ("Ouviram o brado retumbante de um povo heróico às margens plácidas do Ipiranga).
Pasquale Cipro Neto, Folha de SP

Extraído de: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2006200210.htm

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