18 outubro, 2017

A ignorância que nada fica a dever à ciência

Íris é filha de Taumante; a admiração é a base de toda a filosofia; a investigação é a fonte do progresso; a ignorância, um obstáculo intransponível. E, no entanto, existe certa ignorância forte e generosa que, do ponto de vista da honra e da coragem, nada fica dever à ciência. E há tanta ciência em conceber essa ignorância como em conceber a própria ciência. Corras, conselheiro em Tolosa, publicou um resumo de um estranho processo de dois indivíduos que se faziam passar um por outro. Lembro-me (somente disso, aliás) que considerara a impostura daquele a quem se julgou culpado tão maravilhosa, tão acima da nossa possibilidade (e a do juiz) de entender que me pareceu excessiva a condenação á morte do réu. Deveríamos admitir uma sentença concebida nestes termos: "O tribunal não compreende nada deste caso". Seria ainda mais livre e sincero do que o que faziam os juízes do Areópago, os quais, quando deviam pronunciar-se acerca de uma causa que não conseguiam esclarecer, determinavam às partes que voltassem cem anos depois.

(Montaigne (1533 - 92), "Ensaios", Livro III, Capítulo XI - DOS COXOS)

Esta passagem em Montaigne me traz à lembrança O crime do malaio.

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