[...] dos trabalhos que eu fiz, provavelmente o que teve maior repercussão foi o do processo Urca. Eu já havia conhecido o professor Gamow aqui no Brasil, e ele então me convidara para ir aos Estados Unidos [...] fui trabalhar com Gamow em Washington.
Ele já estava interessado no problema das supernovas. Havia um interesse grande por esse problema. Esse episódio ilustra uma coisa curiosa, que eu gosto de contar, porque é estimulante para os jovens. A importância que tem um jovem quando começa a pesquisar é exatamente a de não estar imbuído das idéias dominantes.
No meu caso, não estava imbuído de nada, porque minha ignorância em matéria de astrofísica era total [...] eu disse para o Gamow: olha Gamow, as conclusões desse trabalho [...] não se justificam, porque ele não leva em conta a existência do neutrino.
Quando eu falei isso, o Gamow até pôs a mão na cabeça. "Pronto, taí o X da questão", disse. O que estava faltando e que podia dar o colapso era exatamente o neutrino [...] a emissão dos neutrinos esfriaria o centro da estrela e produziria um colapso, porque, diminuindo a pressão do centro, este não aguentaria mais o peso das camadas externas.
O colapso do centro seria acompanhado de uma expansão na parte mais externa. A supernova é tão luminosa, não porque a temperatura em sua atmosfera seja muito elevada, mas porque ela cresce em tamanho. A estrela cresce enormemente de tamanho, por isso há o aumento de luminosidade.
Foi-lhe dado o nome de processo Urca pelo seguinte: no Rio de Janeiro, nós fomos jogar no Cassino da Urca, e o Gamow ficado muito impressionado com a mesa da roleta, onde o dinheiro sumia e, com um espírito muito humorístico, disse: "Bem, a energia está sumindo no centro da supernova com a mesma rapidez com que o dinheiro sumia naquela mesa de roleta".
Mas os astrofísicos não sabiam disso, então deram outras interpretações. Encontra-se na literatura a interpretação de que URCA seria uma abreviação de Ultra Rapid Catastrophé, mas foi só uma alusão ao Cassino da Urca [...]Voar também é com os Homens - O Pensamento de Mário Schenberg / José Luiz Goldfarb, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994 (pp. 44-45)
Grato a Jaime Nogueira que lembrou o assunto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário