14 novembro, 2015

Enquanto o ser humano existir...

Fernando Gurgel Filho
O livro "O Macaco Nu" (The Naked Ape), de Desmond Morris, faz uma bela narrativa da trajetória deste ramo simiesco até se tornar o Homo sapiens que queríamos ser e ainda não o somos.
Ainda somos macacos.
Saímos da selva, mas a selva não saiu de nós.
Diversos mecanismos cerebrais ainda estão associados aos instintos básicos de sobrevivência, que se resumem basicamente em comer e evitar ser comido.
Assim, grosso modo, esses mecanismos cerebrais mais atuantes no nosso dia-a-dia ainda estão relacionados com identificação do tipo: "confiável" / "não confiável".
Ao longo do tempo, o ser humano criou algumas gradações e introduziu algumas condicionantes básicas na identificação dos que podem fazer parte de sua "tribo" e dos que devem ser evitados. Algo como a regra matemática "pertence" / "não pertence". E isso é feito nos aspectos visual, olfativo, sonoro, mais do que em qualquer outro identificador. Muito animalesco, ainda. Daí o preconceito. Daí a pouca probabilidade de alguém se integrar a grupos diferentes - sem um elemento identificador característico do grupo. Repito, muito, muito simiesco, ainda.
Uma pessoa pode não ter qualquer preconceito em relação à aparência e aceitar os outros como estes se mostram. Essas pessoas estão, normalmente, nos raros ambientes em que a aparência não importa muito. Mas pode ser intolerante ou apenas muito reticente ao aproximar-se de pessoas que não têm o mesmo padrão de linguagem, seja na construção das palavras e frases, seja no modo como manifestam esses símbolos.
O cérebro logo avisa: aquele ser humano fala de uma forma que parece agressiva, não foi polido/domesticado pelo ensino acadêmico, então a convivência com ele pode ser difícil ou muito perigosa. Sabe-se lá qual será sua reação dentro do grupo?
Ou seja, o cérebro, sem dar qualquer chance aos nossos melhores sentimentos, acende imediatamente uma luz de alerta. A ansiedade aparece e o afastamento é inevitável.
Ou seja, a identificação simiesca mostra apenas que aquele ser humano que fala de uma forma diferente de mim, ainda não foi enfiado na camisa de força de um modo de falar que, certamente, me mostraria que ali está alguém que não vai me agredir se eu o contrariar, ou algo assim.
Somente deixaremos de ser macacos quando a amígdala cerebral deixar de atuar de forma tão ditatorial em nossas construções mentais. Aí, não sentiremos mais medos, não mais identificaremos quaisquer sinais de perigo, reais ou não, e todo mundo e o mundo todo se nos apresentará como um agradável e manso jardim japonês. Mesmo em locais sabidamente cheios de jacarés, cobras venenosas e ariranhas.
Conclusão: enquanto o ser humano existir, ainda seremos macacos.
(comentário do colaborador FGF à postagem Os quinze ajustes que nos tornaram humanos)

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